quarta-feira, 31 de outubro de 2012

FILME: «O Artista» de Michel Hazanavicius


Desconfiado dos êxitos fulminantes resisti até agora à visão de «O Artista», ciente de nele vir a encontrar um golpe comercial bem conceptualizado para conseguir os resultados, que lhe são conhecidos: boas receitas de bilheteira dos dois lados do Atlântico e uns quantos óscares e outros prémios cinematográficos à mistura.
Mas lá chegou o dia em que decidi dedicar um par de horas à sua apreciação. Para reconhecer a competência do produto e compreender a razão de ser do seu sucesso. E este não se poderá propriamente explicar pelo confronto dos públicos com a «novidade» de filme mudo a preto e branco  - senão, por esta altura, o mais recente 007 teria dificuldades em singrar no meio de uns quantos Murnaus ou Stroheims - mas porque a história em si apela ao imaginário inquieto de quem o vê neste mundo ocidental da segunda década do século XXI.
George Valentin concita fácil empatia ao constituir o duplo do espectador, que também vê o mundo a mudar significativamente à sua volta e não sabe como a ele se adaptar. Se o ator caído em desgraça se descobria sem voz para um cinema definitivamente sonoro, os nossos jovens licenciados, que emigram por não ter emprego, ou os muitos desempregados incapazes de encontrarem alternativa para garantirem a subsistência da família, só podem compreender na carne os dilemas do protagonista, apostado em acabar com o sofrimento mediante um tiro nos miolos.
Mas, tal qual aconteceu na época da Grande Depressão de 1929, o cinema surge com o lado mágico das soluções mirabolantes, personificadas na rapariga bomitinha e de bom coração e no cão esperto, que só não fala porque não calha num filme mudo.
É claro que Michel Hazanavicius revelou um hábil oportunismo ao conceber tal produto nesta altura e ao dar-lhe um cunho «artístico», que é tão equívoco, quanto postiço. Mas que resultou, lá isso não duvidemos. E merece ser caso de estudo nas universidades enquanto exemplo de produto inexistente no mercado e criado exclusivamente para nele se afirmar enquanto novidade recauchutada...

Sem comentários:

Enviar um comentário