quarta-feira, 10 de outubro de 2012

FILMES: «Clara vai morrer» de Virginie Wagon e «Irrequietos» de Gus Van Sant



Por mero acaso juntei no mesmo dia a visão de dois filmes com o mesmo tema: a iminente morte das protagonistas, acometidas de cancro. Mas a forma como a morbidez do assunto é tratada num e noutro caso, mostra bem a diferença de culturas, de género e de idiossincrasias pessoais dos realizadores.
Clara vai morrer tem produção francesa e é assinado por uma mulher, Virginie Wagon, que põe a tónica nos arrebatamentos mais melodramáticos, contando para tal com a habitual competência de Jeanne Balibar.
Numa lógica feminista enfatiza-se a coragem da protagonista ao escolher a data da própria morte numa assumida rejeição do processo degenerativo da doença, mesmo contrariando as múltiplas pressões de amigos e familiares.
Por seu lado Inquietos de Gus Van Sant opta por uma abordagem elegante com frequente recurso a elipses para evitar o excessivo recurso às emoções entrecortando-as de momentos de comédia expressos quase sempre pelos inteligentes diálogos entre o par de protagonistas.
Voltemos, então, ao filme de produção francesa: quando Clara recebe a notícia da recidiva do seu antigo cancro e do previsível desenlace num futuro próximo, toma a decisão de ir à Suíça encomendar os serviços de morte assistida da Associação Closend. E é lá que a alertam para as vantagens de dar a notícia aos seus familiares e amigos.
É o que Clara tenta fazer, enquanto vai ensaiando a nova peça a estrear daí a uns dias. Não tarda que se confronte com as reações adversas de quem vai conhecendo as suas intenções. A primeira a querer persuadi-la de um recuo é a irmã, Elena, que com ela contracena na peça teatral  quase a estrear e cujos ensaios partilham diariamente.
Segue-se o irmão com quem  mantém diferendo antigo, mormente quanto à evocação do defunto pai por ele idolatrado e por ela verberado enquanto abusador sexual.
Mas a pior reação vem de Vadim, o filho com quem coabita. Adolescente apostado em dela se dissociar no processo de afirmação da sua progressiva maturidade, não consegue aceitar o que ela lhe revela através das audiocassettes , supostamente a serem escutadas já depois do fatal desenlace: que não é ele quem voluntariamente se afastará dela, mas precisamente o contrário.
Para acentuar o dramatismo do enredo a realizadora acrescenta-lhe a solução fácil de a morte ficar marcada para o dia seguinte ao da estreia da peça, dando a Clara a oportunidade de se despedir dos palcos com um desempenho para ficar na memória de todos quantos a ele assistem.
Quanto ao filme de Gus Van Sant, temos o filho de Dennis Hopper (e quase sósia do pai, quando ele se iniciava no cinema há mais de meio século) a frequentar enterros como forma de exorcizar os seus fantasmas: os pais tinham-lhe morrido num acidente de viação, que quase o matara, prostrando-o em coma durante vários meses. É numa dessas ocasiões, que conhece Annabel, uma rapariga condenada pelo seu cancro no cérebro e com quem se vai ligar afetivamente nos seus três meses remanescentes de vida.
Mas o lado fantástico da história ainda é complementado por Hiroshi, o fantasma de um kamikaze japonês da época da Segunda Guerra Mundial, que lhe serve de amigo secreto.
Ao contrário do filme de Virginie Wagon, a morte não é aqui um fator a contrariar. Pelo contrário os dois jovens irão aproveitar as semanas na lógica de viverem a vida inteira num só dia, divertindo-se com a magia dos gestos e das palavras. É o amor vivido com carácter de urgência, mesmo que num lapso tão curto.
Quando a morte advém terão vivido também alguns momentos de angústia, de revolta, mas sem os exageros do filme francês. E a forma como Gus Van Sant resolve a cena final em que Enoch irá discursar no enterro da amiga - apenas resumidos ao jogo do seu olhar extasiado perante as recordações dela - resume bem a arte deste admirável realizador.

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