domingo, 23 de fevereiro de 2014

POLÍTICA: O fator multidão

Tese assaz curiosa a de alguns investigadores da universidade escocesa de Saint Andrews, que aproveitaram uma das maiores cerimónias religiosas de todo o mundo, o Maha Kumbh Melá, para validar a tese do efeito benéfico das multidões para o bem estar coletivo.
No ano passado, por esta altura, 70 milhões de peregrinos concentraram-se na confluência dos rios Ganges, Jumaná e Saraswati para aí passarem semanas a mergulharem nas águas, a fazerem as suas orações e a viverem o mais espartanamente, que lhes é possível. Segundo as suas crenças, poderão assim lavar os pecados e tocarem algo parecido com a receita da imortalidade.
E, no entanto, essas águas são imundas, com um teor de bactérias fecais, que tenderiam a fulminar o mais assético dos ocidentais dispostos a testemunhar aquela forma de expressão da religiosidade.
Como se explica, que quem pratica esses rituais se venha a sentir de melhor saúde e com maior resiliência a doenças nos meses seguintes.
Para Stephen Reicher, líder da equipa científica, que andou a estudar essa realidade, a pertença a uma multidão irmanada da mesma crença tem um efeito semelhante, mas mais poderoso do que os fármacos antidepressivos. Razão para que quem a integra se sinta animicamente estimulado senão mesmo revigorado.
Esse efeito benéfico das multidões já fora evidente na primeira edição do festival de Woodstock quando o número efetivo de espectadores superou em muito o previsto pela organização e as condições meteorológicas chegaram a ser bastante agrestes potenciando a hipótese de uma catástrofe já possível pela falta de alimentos ou de condições de higiene. E, no entanto, porque viviam a empatia dos mesmos valores hippies, nada disso chegou a suceder.
Mas a tese da equipa de St. Andrews também conhece uma outra vertente: tal qual conseguem suscitar um efeito positivo, as multidões também conseguem potenciar o seu reverso. E não necessitaríamos de comprová-lo através das que, em comícios, vitoriaram Hitler e outros ditadores ao longo da História e deles partiram para uma sanha persecutória contra vítimas indefesas.
Ainda em 2013, a estação de Allahabad, que é a mais próxima das festas do Maha Kumbh Melá, conheceu um incidente com peregrinos desejosos de regressar às suas terras e se puseram a competir por um lugar disponível num comboio. Resultado: trinta e seis mortos.
Donde se pode inferir que, quando se geram fatores de discórdia e de concorrência dentro de uma multidão, ela pode tornar-se numa caótica disputa de um contra todos . Com efeitos devastadores.


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