sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

FILME: «Cloud Atlas» de Tom Tykwer, Andy e Lana Wachowski

Em 1849 um jovem advogado viaja pelo Pacífico Sul para resolver um assunto imobiliário e descobre a realidade da escravatura.
Em 1936, na Escócia, um jovem alimenta a relação epistolográfica com o seu amante, enquanto serve de assistente a um compositor na transposição para música das suas desinspiradas propostas. Embora, ele próprio, se sinta tentado a criar uma obra-prima de sua inteira lavra.
Em 1973, em São Francisco, uma jornalista descobre o envolvimento de um grande grupo industrial em alguns crimes.
Em 2012, na Inglaterra, um editor vê-se enclausurado contra a sua vontade num asilo para a terceira idade.
Em 2144, em Neo Seul, a clone Sonmi 451 revolta-se contra a ordem estabelecida  ao descobrir a própria consciência.
Em 2321, num mundo pós-apocalíptico, um pastor assiste ao massacre do irmão e do sobrinho sem que o possa evitar.
O primeiro «Matrix» causara surpresa quando se estreou, tornando-se numa obra de culto para a geração então a transitar da adolescência para a idade adulta. E dificultou a tarefa a quem, ulteriormente, se decidisse a desenvolver outras experiências onde confluíssem a filosofia metafísica e o cinema.
«Cloud Atlas» surgiu como tentativa de vencer esse desafio, associando os mesmos irmãos Wachowski ao alemão Tom Tykwer (que já assinara êxitos como «O Perfume» ou «Corre. Lola, corre»). Os três realizadores contam seis histórias, que se intercalam numa montagem paralela entre épocas diferentes num intervalo de quatro séculos, e contando com o mesmo grupo de atores distribuídos por diversos papéis.
Se nenhuma das histórias vale por si isoladamente, a coerência final fica garantida numa interpretação aglutinadora de todas elas.
Tykwer e os Wachowski recorrem tão lestamente ao romance original de David Mitchell como às potencialidades da História do Cinema. É que, cada uma das histórias é abordada de acordo com os códigos de um género cinematográfico distinto: o relato epistolar de uma travessia marítima; uma história de amor contrariada pelas convenções sociais; um policial paranoico associado à tradição blaxploitation dos anos 70; a comédia social tendo anciões como protagonistas; a ficção científica; e aventuras pós-apocalípticas.
Com este projeto os realizadores parecem querer demonstrar que toda a História do Cinema parece convergir para um único tema: a da própria Humanidade. Porque os destinos de todos os personagens nas várias épocas misturam-se e influenciam-se entre si, mesmo que não se cheguem a encontrar. É no fundo o que está explícito no título original: a cartografia das nuvens enquanto forma de ler e descobrir o sentido da vida.
Existe algum génio nos realizadores ao transcenderem o seu material de base, quer no argumento, quer na opção pelo elenco. Eles conseguem, de facto, devolver brilho a antigas glórias do cinema, entretanto ultrapassadas enquanto fenómenos de moda: Halle Berry, Tom Hanks, Jim Broadbent ou Hugh Grant conseguem credibilizar uma galeria eclética de personagens.
Trata-se, pois, de um filme que atravessa transversalmente diversos géneros e que se torna numa autêntica experiência meta-cinematográfica em que a realização organiza o argumento como se se tratasse de uma complexa partitura musical.



Sem comentários:

Enviar um comentário