quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

LIVRO: «Conspiração contra a América» de Philip Roth

E se, em 1940, Roosevelt tivesse perdido as eleições  presidenciais em favor de um candidato próximo dos meios nacionalistas disposto a recusar a entrada na guerra ao lado dos Aliados? E se esse presidente, pelos atos e declarações, desse a entender a necessidade de marginalizar os judeus da sociedade norte-americana?
Esta hipótese é o ponto de partida do romance de distopia histórica de Philip Roth: ele imagina que, em 1940, o célebre aviador Charles Lindbergh, celebrado pela travessia atlântica de 1927 e muito ligado à extrema-direita americana, ganha as eleições.
Na família judia do jovem Philip Roth essa eleição corresponde a uma catástrofe. Porque Lindbergh é conhecido pelas relações amistosas com o regime nazi, tendo sido condecorado por Goering, e desvalorizado as perseguições perpetradas sobre os judeus alemães.
O período do mandato de Lindbergh será vivido em angústia crescente na casa dos Roth num bairro judeu de Newark.
A família comporta o pai Herman, vendedor de seguros, que costuma escutar e ler tudo quanto lhe passa ao alcance e em que se critique o presidente e a sua política. O sobrinho, Alvin, que partilha as suas ideias e se alista no exército canadiano para combater os nazis na Europa, regressa sem uma perna e com uma frustração incurável, que lhe faz renegar o breve idealismo. Há a mãe, Bess, mais apagada e preocupada com as aparências, mas nem sempre capaz de disfarçar os seus medos. Há a tia Evelyn, que se torna amante, e depois esposa do rabi Bengelsdorf, que apoia a política de Lindbergh. E existem sobretudo as crianças. Sandy, o irmão mais velho, facilmente influenciável pela tia Evelyn, que, a contragosto de Herman, o manda passar uma temporada numa quinta do Kentucky para «sair do gueto». E Philip, o mais novo, que vai compreendendo pouco a pouco as consequências da mudança política e tenta defender a coleção de selos contra ventos e marés.
Toda a história evolui através do que Philip vai vendo. O facto de decorrer das peripécias da vida de um rapazinho de oito anos aligeira e até introduz alguns elementos de humor num texto sombrio. Porque, ainda que muito jovem, o protagonista depressa percebe o quanto ultrapassa o quadro familiar tudo quanto vai testemunhando.
As refeições tornam-se em campos de batalha e o reencontro entre Herman e Alvin acaba por se revelar extremamente agressivo.
O distanciamento progressivo entre judeus e não judeus torna-se-lhe particularmente percetível na viagem, que a família faz a Washington. Prevista há muito tempo, ainda antes da eleição de Lindbergh, essa experiência torna-se particularmente dolorosa, quando começam a perceber as desvantagens de serem judeus, e a tendência para serem ostracizados.
A comunidade judaica de Newark vai-se sentindo cada vez mais paranoica, optando uns por fugirem para o Canadá, enquanto outros querem confiar na proteção fornecida pela milícia organizada pela mafia do bairro. O medo vai-se instalando à medida que vão chegando notícias de progroms na vizinhança.
«Conspiração contra a América» é, muito diferente de outros romances históricos de Roth, por ser o único a inventar uma alternativa à história oficial. Conserva os nomes de todos os protagonistas dessa época, quer se trate do vice-presidente Wheeler ou do ativista Winchell, que entusiasma o bairro judeu com os seus programas de rádio ao domingo á noite, sem esquecer La Guardia ou Roosevelt.
Roth teve o cuidado de acrescentar a verdadeira biografia desses principais protagonistas para que o leitor acabe por dissociar a ficção da verdade histórica.  E consegue ser extremamente eficaz na forma como nos faz mergulhar nos EUA dos anos 40, no período situado entre o New Deal e o mccartismo, quando os judeus poderiam ter sentido a sua segurança em causa pela volubilidade do poder nas instituições norte-americanas. 


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