Estamos na última quarta-feira do ano do calendário iraniano, quando se festeja ruidosamente o Chaharshanbeh suri.
Uma jovem empregada doméstica é enviada pela agência a um condomínio privado para aí levar por diante a derradeira e tradicional limpeza antes da chegada do Novo Ano. No íntimo sente o entusiasmo pelo casamento, que está quase a consumar com o seu amado primo.
Rouhi não tardará a conhecer quem a contratou: um casal em crise já que a mulher, Modjeh, está convencida da ligação adúltera do marido, Morteza, com Simin, uma cabeleireira divorciada, que vive ali mesmo ao lado.
Sem suspeitar, a jovem irá ter um curso acelerado sobre as dificuldades da vida conjugal, ainda que não se furte a ter algum protagonismo na melhor das intenções: por isso irá mentir a propósito dos bilhetes da viagem planeada pelo casal para o dia seguinte e que os deverá levar para umas curtas férias no Dubai.
- O estafeta deixou os bilhetes em casa de Simin, a cabeleireira, porque a vossa campainha não toca! É por isso que ela ficou a saber da hora a que irão partir!
Tenta assim corrigir a informação, que dera a Modjeh sobre o facto de Simin - a quem pedira para lhe depilar as sobrancelhas! - estar a par dessa viagem.
Nessa altura Rouhi ainda julga que a patroa é histérica, o marido fiel e a cabeleireira simpática. Mas quando descobre o carro de Morteza perfumado pela essência, que Sirin lhe dera prestimosamente a conhecer, as suas convicções vacilam fortemente.
Quando a noite acaba só Amir-Ali, o filho de Morteza e de Modjeh, se divertiu com os petardos e o fogo de artifício. Aos pais restam a tristeza, as dúvidas e o silêncio. Quanto a Rouhi, finalmente chegada ao encontro com o noivo, a vontade é a de esquecer tão rapidamente quanto possível essa lição de vida, que recebera por mero acaso.
Em suma a história é a de uma mulher, que suspeita da infidelidade do marido, e o de uma jovem empregada, que começa por ser uma testemunha passiva para depois se tornar participante ativa da crise do casal. Estamos, pois, um Irão muito diferente das ideias preconcebidas, que dele temos no Ocidente: um país islâmico onde a obrigação do porte do tchador não impede as mulheres de assumirem e exprimirem os seus desejos. E onde os homens podem viver de forma ambígua os seus sentimentos, sem evitarem o comprometedor choro.
Quase que se pode dizer que temos aqui elementos de tragédia grega numa história, que dura um dia, e torna o espectador no joguete de um argumento construído com grande solidez em torno de uma verdade, sempre à beira de explodir a exemplo dos petardos da «Festa do fogo», mas contida pelas lágrimas da criança ou pelos constrangimentos religiosos. E a própria Rouhi torna-se, ela própria, numa personagem instrumentalizada por cada um dos elementos do casal para precipitar a revelação ou o escamoteamento da verdade.
Fora desse triângulo de protagonistas restam os outros, os que episodicamente vão servindo de voyeurs a exemplo do que é o ambiente de vigilância coletiva do país dos ayattollahs
Se foi com «A Separação», que Asghar Farhadi se viu consagrado como um dos grandes nomes do cinema atual, este filme anterior já demonstrava plenamente o engenho e a inteligência dos seus projetos ficcionais...
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