(A propósito do filme «Aguirre, a cólera de Deus»)
Já lá vão mais de quarenta anos, desde que vi este filme no ecrã do Monumental numa das memoráveis sessões duplas das seis da tarde.
Faltava um ano para o regime fascista cair, mas não era difícil imaginá-lo a tender para o mesmo tipo de perda para onde ia derivando este alucinado conquistador espanhol. Se a Aguirre o estimulavam o poder e a glória do mítico El Dorado, marcelo caetano parecia cada vez mais isolado na jangada em que tentava manter viva a chama de um império em que só ele e os fiéis ainda acreditavam.
O filme de Herzog era eloquente na denúncia dos delírios coloniais, que éramos obrigados a suportar: a exploração gananciosa das riquezas naturais, a cumplicidade criminosa de uma igreja sempre apostada em se encostar aos que julgava mais poderosos, a cegueira perante as realidades de uma Natureza adversa e o total desprezo dos povos indígenas.
Por isso gostei tanto do filme e é sempre um prazer revisita-lo. Porque, mesmo ultrapassada essa conjuntura histórica, não deixa de ser possível ajustá-lo ao que agora vivemos. Ou não é passos coelho um exemplo lapidar na crença de uma quimera - uma solução neoliberal para a presente crise capitalista - sem olhar para isso aos danos em vidas e sofrimento, que está disposto a causar?
Os discursos patéticos do primeiro-ministro ou do seu vice acabam por se mostrar tão absurdos como o de Aguirre na cena final quando, derradeiro sobrevivente da sua expedição numa jangada à deriva invadida por saguins, ainda sonha com a concretização de quanto ambicionara ...
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