Não sei se possuo a arte de viajar, mas que gosto de o fazer é algo quase atávico na minha natureza. Está-me nos genes porquanto, desde muito cedo, vi o meu pai dedicar-se à preparação das viagens planeadas para a família.
Fosse inicialmente para as voltas pelo Portugal profundo no tempo em que não existiam quaisquer autoestradas, fosse para as depois empreendidas para Sevilha ou para Toulouse, o ritual era sempre o mesmo: sentava-se à mesa da cozinha com o mapa das estradas e assentava, com todo o pormenor, os trajetos a realizar. Chegando ao apuro de prever as horas de partida e de chegada para cada uma das etapas. Antecipava assim a necessidade do GPS, que lhe daria - acaso então existisse - toda a informação pretendida.
Não foi, pois, nenhuma surpresa que, chegada a hora de decidir o que pretendia fazer na vida, a opção pela marinha mercante me tenha surgido como solução apetecível para correr mundo. Até porque à época, antes do 25 de abril, era alternativa auspiciosa ao salto para as estranjas como forma de não participar na guerra colonial.
Passei, assim, duas dúzias de anos no mar aportando a cidades e vilas de todos os continentes. E de muitas dessas viagens ficaram-me retidas imagens para o resto da vida: os glaciares da Islândia ou do Estreito de Magalhães, a Grande Barreira de Coral da Austrália, os fiordes noruegueses, os arranha-céus de Nova Iorque antes, durante e depois das Torres Gémeas, as ruelas estreitas de Veneza…
Mas, além dessas imagens fixadas intemporalmente, ficam as muitas vivências, quer positivas, quer as que na época não o foram. Mas que me fizeram sempre amadurecer…
Porque a viagem é isso mesmo: um pretexto constante para nos apurarmos na direção do que queremos ser.
Curiosamente esse legado da viagem como pretexto para a transformação do viajante está ausente do ensaio escrito por Alain de Botton em 2002 para caracterizar a arte do viajante. E, se diz coisas muito pertinentes, ao mesmo tempo que aproveita para exibir a erudição, também é verdade que fica a ideia de não ter assim tanto prazer pelo esforço de viajar, porquanto dá importância relevante a quem planeava fazê-lo e cumpria com o necessário para tal até desistir no último momento (o personagem De Esseintes de uma novela de Huysmans) ou não deixa de admirar Xavier de Maistre, conhecido por ter um romance inteiramente dedicado ao que via enquanto passeava no seu reduzido quarto.
Apesar de constituir uma leitura, que chega a ser entusiasmante - nomeadamente quando nos convida a apreender a Provença através do olhar facultado pelas telas de Van Gogh - dá para concluir que perorar sobre as viagens não basta para as encarar com o entusiasmo que elas suscitam nalguns dos seus leitores. Que encaram a descoberta doutros lugares e doutras pessoas como uma indispensável forma de magia. Aquela que Alain de Botton não chega a encontrar...
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