quarta-feira, 7 de agosto de 2013

IDEIAS: os mitos e a socialização

Antes de começar a partilhar um espaço comum com outros homens, o indivíduo agia de acordo com os seus instintos mais primários. A lenda da fundação da cidade de Roma funciona como uma das mais antigas explicações para a passagem da Humanidade de uma violência animal para a aceitação de convenções de harmonização num tipo de vida coletiva.
Recordemo-la para benefício dos mais desmemoriados: depois de devolverem o trono ao avô Numitor, que fora derrubado no reino de Alba, os gémeos Rómulus e Rémus decidiram construir uma nova cidade nas margens do rio Tibre.
A divisão entre eles instala-se, quando se trata de escolher o melhor local para tal projeto. Para superarem o impasse decidem que qual deles conseguisse vislumbrar maior número de abutres no céu seria o escolhido para definir o sítio em causa.
Rémus sobe ao topo do monte Aventino e vê seis aves. Por seu lado, Romulus ascende ao Palatino para aí contar doze. Tão só vitorioso, ele pega na charrua para definir os limites da nova cidade, proibindo a entrada de qualquer arma dentro de tal fronteira, condenando à morte quem o não fizesse. A violência deixaria de ser tolerável numa cidade convertida em santuário.
Seria, porém, necessário validar essa lei com um sacrifício fundador. Ora, Rémus estava despeitado com a sacralização imposta pelo irmão numa cerimónia cada vez mais enfatuada. E, irreverente, entra dentro das linhas traçadas com o seu gládio!
De imediato Romulus mata Rémus para cumprir o seu primeiro édito e assume-se como o primeiro rei romano. Doravante todos os exercícios militares serão efetuados fora da cidade no chamado Campo de Marte.
Ficava assim consagrada a primeira Lei Urbana, que excluía a violência num espaço consagrado a desenvolver a humanidade nos seus cidadãos.
Esta lenda romana tem um paralelo evidente com a expulsão dos templos consagrados a Dionysos nas cidades gregas, já que o culto à embriaguez e à exuberância da Natureza não tinha cabimento dentro das cada vez mais estritas regras sociais.
Quem quisesse prosseguir o culto a forças sombrias e temidas, tinha de passar a fazê-lo fora das cidades.
Ora a mitologia grega explicava bem como Dyonisos simbolizava o regresso á bestialidade: filho de Zeus e de uma mortal, logo a ciumenta Hera decidira eliminá-lo, depois de matar a rival. Para o poupar o pai transformara-o em cabrito, facilitando-lhe a fuga para o estado selvagem.
Só quando chegara à idade adulta é que Dyonisos recuperara a forma humana, embora o seu comportamento aparentasse demência ao incitar ao cultivo de videiras e à produção e consumo de vinho para que os homens pudessem aceder ao seu estado de abandono e de loucura.
Dyonisos encarna, pois, a vitória das forças que escapam ao controle da razão e transformam o homem em fera. O seu culto representava a aspiração humana a nunca esquecer o seu lado selvagem, que era dominante antes de iniciado o seu processo de socialização.


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