Na Antiga Grécia o deus Dionysos encarnava a vitória das forças que escapavam ao controle da razão e transformavam o homem numa fera. Por isso era celebrado fora dos limites das cidades exceto duas vezes por ano quando se lhe dedicavam honras durante as Dionisíacas.
Estas eram um intervalo de duração bem definida em que o deus proscrito reinava sem concorrência junto dos cidadãos.
No decurso dessas festividades organizavam-se concursos onde costumavam rivalizar poetas dramáticos, com tragédias onde se mostravam os humanos a serem esmagados pelos caprichos dos deuses.
No centro do espaço dedicado à representação e perante os atores e o coro, erguia-se o altar a Dionysos com um sacerdote a ladeá-lo. Era, pois, o Deus quem presidia à representação.
Sófocles e Eurípedes inspiram-se sobretudo nas histórias das desventuras de duas famílias, os Átridas e os Labdacidas, ou seja a linhagem de Agamemnon e a de Édipo.
Agamemnon, filho de Átreo, rei de Micenas, fora o escolhido para comandar a coligação grega contra Tróia. Mas, na praia de Aulis, na Beócia, o exército teve de fazer escala indefinida, porque não soprava o vento necessário para inflar as velas dos navios em direção ao cenário de guerra. Mal sabem eles que essa desesperante calmaria fora imposta pelo deus Éolo a pedido de Artemísia, que ficara revoltada com o chefe grego, quando o ouvira gabar-se de ter sido capaz de matar uma corsa com maior perícia do que a própria deusa. Agora, para vencer esse feitiço, ela reclama o sacrifício de Ifigénia, a filha preferida de Agamemnon
Ao aceitar o oráculo e as suas exigências o desesperado Agamemnon faz aceder a família ao ciclo infernal de uma vingança, que só se cumprirá com o processo de Orestes perante o Areópago.
Culpado, mas também inocente - eis como o herói da tragédia grega é apresentado de forma a impressionar o público.
O destino de Édipo e da sua mãe-esposa Jocasta, ou os sofrimentos dos Átridos aterrorizavam os atenienses, que saíam purificados de tais representações.
Aristóteles dirá que se trata de um processo catártico ou de purificação.
A mais injustificada violência é mostrada à revelia das leis vigentes para que possa ser mais eficazmente expulsa. Essa violência exercida pelos deuses sobre os mortais ou a do mais forte contra o mais fraco, só parece conhecer resposta na lei de Talião e pressupõe a falta como consequência de uma herança (Agamemnon estaria a pagar o crime do seu pai Atreo, que obrigara Trieste a comer os próprios filhos…)
Se não foste tu, foi o teu pai!, é o que os deuses dizem aos mortais com quem jogam a partir do Olimpo. A representação é, pois, uma forma de violência primitiva capaz de suscitar “terror” e “piedade”, dois sentimentos que fizeram das tragédias gregas espetáculos muito apreciados.
No seu «Teatro e o seu Duplo», Antonin Artaud escreveu que uma peça teatral autêntica incomoda o repouso dos sentidos, liberta o inconsciente oprimido, pressiona no sentido de uma revolta virtual.
A tragédia insere-se no que Artaud considerava “peças autênticas”, por revelar ao público a «negra liberdade» de um inconsciente violento, desregulado, caótico.
Graças à liberdade de expressão oferecida pelas Dionisíacas uma parte de loucura é oferecida ao deus para que a Cidade conserve a coesão.
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