Ao olhar para a imagem noturna da multidão de peregrinos em torno da ka’aba constata-se o fluxo constante do mar humano, verdadeiro fluxo em tensão a rodear aquela centralidade.
Ao contrário dos hindus, os crentes muçulmanos estão em permanente movimento a sugerirem uma aproximação ao objeto da sua devoção. O divino está ali quase ao seu alcance, mas ao mesmo tempo escapa-se-lhes, porque existe aquele véu negro a dissimular a pedra guardada na ka’aba.
Para uma cultura que rejeita a figurabilidade de deus a ka’aba corresponde à máxima expressão da corporalidade da sua religiosidade.
Noutra forma de expressão divina há quem olhe para a Natureza como a sua representação ideal. Olhando para os cristais de neve, todos diferentes uns dos outros, há quem veja a demonstração de deus como um grande artesão de tudo quanto existe. Daí que, embora muitos cientistas apregoem o seu ateísmo ou agnosticismo, há quem procure nas leis da física e da química a prova teológica da existência divina. Mas sobram, igualmente, matemáticos à procura do “número de ouro”, que expressaria a inteligência capaz de tudo superintender.
Seja na linha de Averróis ou de Voltaire, há quem considere a Natureza como a revelação artística da existência divina, a comprovação do relojoeiro superior.
E acabamos esta viagem pelas várias culturas religiosas regressando ao subcontinente indiano. Com Shiva Nataraja temos um deus que dança, embora a sua representação seja enriquecida com muitos outros símbolos, todos orientados para um antropomorfismo feliz.
O divino equivale aqui á alegria criativa, que esmaga a ignorância, personificada no diabo pisado pelos pés do deus. Shiva cria o mundo e, desde então, faz nascer, durar e morrer através da cadência dos seus passos de dança.
Na cultura hindu Shiva é considerado um protetor dos homens, muito embora se deva contar com a sua imprevisibilidade.
Seria neste deus, que Nietzsche gostaria de acreditar, quando dizia almejar por um que soubesse dançar.
E, apetece dizer, de facto: dancemos!
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