O último dos três livros inseridos na «Trilogia Suja de Havana» data de 1997. Estava-se então quase no final da década mais difícil vivida pelo regime cubano desde a fuga de Baptista. Porque, se nunca tinham faltado tentativas de invasão, de sabotagem ou de atentados a Fidel, o regime lá se ia aguentando com um contínuo trabalho de propaganda capaz de atrair a si o apoio da maioria da população.
Mas tudo foi diferente nos anos 90, quando Ieltsin pôs fim a qualquer apoio ao antigo aliado da União Soviética. A fome, o desemprego, o desespero e a prostituição cresceram numa tal dimensão que houve quem, em Miami, festejasse por antecipação a iminente derrocada da revolução.
A leitura da Trilogia de Pedro Juan Gutierrez dá uma ideia bastante interessante sobre o estado de alma dos habitantes de Havana nesses anos difíceis. Não deixando de salientar o carácter quase bipolar do seu comportamento Pedro Juan mostra a cidade como uma paisagem de catástrofe: Os prédios foram-se arruinando por falta de cuidado e a pouco e pouco foram-se convertendo em quartos com milhares de pessoas amontoadas que nem baratas. Pessoas magras, mal alimentadas, sujas, sem emprego, bebendo rum a todas as horas, fumando marijuana, tocando tambor, reproduzindo-se como coelhos. Gente sem perspetiva, com um horizonte bastante limitado. E rindo de tudo. (pág. 296)
Então quase quinquagenário Pedro Juan incorpora em si o sentimento de muitos dos amigos e conhecidos nos ambientes boémios e do mercado negro, onde anda sempre em busca do prazer e de algo para comer e beber. E sem culpabilizar o regime em si, atribui a responsabilidade a um indefinido destino coletivo: Na minha vida está sempre a desfazer-se o maldito triângulo: amor, saúde, dinheiro. O amor é mentira, o dinheiro um pássaro a voar, a saúde a arruinar-se a cada instante. E é isto. A regressar de muitos caminhos. Vive-se na utopia e a utopia desfaz-se. A culpa não é da utopia. Na realidade, ela até propunha sempre a salvação para o futuro, para a próxima geração, para amanhã. Eu também não tenho culpa. É um karma coletivo. Simplesmente. (pág. 318)
Mas essa complacência para com o regime com que nunca chegou a cortar - ao invés de outros escritores e artistas, que se apressaram a colher mordomias da sua condição de «refugiados políticos» nos EUA ou em Espanha - não o impede de concluir o seu relato com uma cenarização de Havana como um espaço caótico: Ninguém sabe onde pertence nem o que deve fazer. Nem o que quer fazer exatamente, nem para onde vai ou onde deve situar-se. Vagueamos todos com desespero atrás do dinheiro. Fazemos qualquer coisa a troco de algum dinheiro e daí saltamos para outra coisa qualquer. Na realidade, o que conseguimos foi uma grande confusão de gente envolvida em desordem. (pág. 325)
Valerá a pena revisitar livros posteriores de Pedro Juan Gutierrez para aferir o efeito das alterações entretanto implementadas por Raul Castro para fazer perdurar a sobrevivência do projeto iniciado na Sierra Maestra.
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