Em abril passaram oitenta anos sobre a aplicação da Constituição, que sujeitaria o país à ditadura do Estado Novo até 1974.
Numa altura em que diversos analistas de esquerda atual alertam para a possibilidade de a Democracia voltar a estar em risco vale a pena evocar algumas das razões para a tirania ter durado tanto tempo, embora rejeitando liminarmente a tese peregrina e conservadora da repetição cíclica dos mesmos fenómenos políticos.
1ª razão - a intensa crispação política entre extremistas de direita e de esquerda.
Em 1918 o final da Grande Guerra coincide com uma gravosa recessão. Apesar de ter alinhado com os vencedores e salvaguardado a posse das colónias, os governos republicanos não conseguem evitar uma permanente instabilidade política.
À esquerda é fundada a Confederação Geral dos Trabalhadores acompanhada da Legião Vermelha, responsável nos sete anos subsequentes por mais de duzentos atentados contra empresários e políticos de direita. No extremo oposto surge o Integralismo Lusitano e a Cruzada NunAlvares para atacar políticos de esquerda.
2ª razão - a conjuntura internacional
Porque todos os poderes reais ou religiosos parecem ser postos em causa, os capitalistas temem o alcance de sucessivas revoluções e financiam as ditaduras de direita. Mussolini em Itália abrirá o caminho, mas já antes, em 1917, Sidónio Pais lançara-se numa aventura com o mesmo objetivo de restaurar a ordem e impor a disciplina militar e policial aos trabalhadores.
O século XX inicia-se então com choques violentos entre ideologias de sinal contrário.
3ª - as divisões entre republicanos
Surgem novos partidos para contrariarem o Partido Democrático de Afonso Costa e António Maria da Silva. Os liberais, que congregam republicanos de direita, conseguem eleger um dos seus, António José de Almeida, como Presidente da República. Mas a confusão é tanta, que os governos sucedem-se uns aos outros com pouco intervalo.
O exemplo mais eloquente do caos à frente das instituições ocorre a 15 de janeiro de 1920, quando se sucedem três governos no mesmo dia, dos quais, ao do meio deu-se o nome de «governo dos cinco minutos».
4ª razão - a conspiração ativa dos patrões
Muito embora não se tenham conseguido provas para o demonstrar, há quem acredite ter havido influência decisiva dos tubarões da economia no episódio da «Camioneta Vermelha» que, em 19 de outubro de 1921, andou pelas ruas de Lisboa a arrebanhar políticos destacados como António Granjo e Machado Santos para os matar a tiro depois de seviciados e insultados.
O horror suscitado por esses crimes aumentou o apoio a quem viesse posteriormente prometer ordem e sossego.
5ª razão - a burla financeira
A forma engenhosa como Alves dos Reis burlou o Banco de Portugal demonstrou a incapacidade dos republicanos em impedirem vigarices cujos efeitos se repercutiriam sobre os contribuintes. Estes distanciaram-se cada vez mais dos políticos, que davam mostras de passividade ou total desconhecimento do que estava em questão com tão volumosa quantidade de notas falsas.
6ª razão - a conspiração ativa da Igreja Católica
Não esqueçamos que, na véspera do golpe do 28 de maio estava a decorrer em Braga um Congresso Mariano, que incluía como participantes muitos dos ideólogos e instigadores do regime a ser aplicado por um Exército incumbido de objetivos de redenção da Pátria.
7ª razão - estudantes alinhados à direita
Ao contrário do que se verificaria ulteriormente, muitos dos jovens universitários do início dos anos 30 eram entusiastas das ideias corporativas assentes no culto da ordem e da autoridade.
Do que atrás fica registado vemos existirem algumas semelhanças com as condições propiciadoras da ditadura, mas meras coincidências relativamente a uma realidade histórica completamente diferente.
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