Foi pela Joana Manuel, que soube, via facebook, da morte do Urbano Tavares Rodrigues. Na sua página ela reconhecia, que não conseguia exprimir melhor o que sentia do que o António Costa Santos já o fizera na mesma rede social: Morreu o Urbano. O mundo está menos tolerante, menos amável, menos culto, menos generoso, menos bom. O mundo tem menos um amigo e nem vai dar por isso. Só se o mundo fizesse contas à vida, coisa que nunca faz. Devia, mas não faz. É triste, mas, resumindo, "a dádiva e o perigo, o instinto de liberdade, o orgulho da sua condição, era a coisa mais importante que um homem podia transmitir a outro homem" e o Urbano, isso deixou cá.
E é de um facto um texto, que diz quase tudo sobre o autor de «Bastardos ao Sol». Quase tudo, porque reflete as emoções de quem as escreveu, mas ainda não contemplam todas as que sinto.
Como estava longe do computador, mesmo que do portátil, avancei com um pequeno texto a partir do telemóvel: Não costumo fazer elogios fúnebres nem atender à necrologia, exceto em casos de justificada excecionalidade. O Saramago fora o mais recente exemplo dessa exceção à regra. Hoje repito-a com o Urbano. Porque raramente conheci um Homem da sua dimensão: generoso, gentil e profundamente empenhado na justiça e na igualdade!
O Urbano era, de facto, um ser excecional no sentido mais superlativo da palavra. Se tivermos em conta o célebre poema de Brecht sobre os homens que são bons, muito bons ou imprescindíveis, ele cabia indubitavelmente nesta última categoria por ter lutado pelos valores em que acreditava durante todos os dias da sua vida.
Logo em jovem impressionou-o a tremenda desigualdade de direitos e rendimentos no seu Alentejo natal, aonde a família possuía uma vasta herdade. De que viria a prescindir generosamente, de parceria com o irmão Miguel, tão só teve a convicção de, com tal gesto, estar a cumprir um desígnio consequente com as suas ideias de facultar a terra a quem a trabalha.
No entretanto, foram todas as lutas em que se envolveu contra o fascismo e que o tornaram presença habitual nas instalações da Pide.
Vi-o pela primeira vez ao vivo no último domingo de abril de 1974 em Santa Apolónia, quando Mário Soares e Tito Morais estavam de chegada no Sud Express proveniente de Paris. Nessa altura Urbano já era escritor consagrado e vivia os dias mais exaltantes da sua vida. Que se prolongaram pelos meses em que a revolução parecia aproximar o país dos tão desejados amanhãs que cantam.
Infelizmente os donos do dinheiro voltaram a recuperar o poder e a destruir todos os sonhos alimentados por quem julgava possível antecipar o sonho de uma sociedade sem classes. Mas, nem mesmo quando a perestroika deu cabo do que restava das expectativas de um mundo novo, Urbano deixou que o desencanto lhe tolhesse a alma. Sempre gentil, sempre dialogante com quem pensava de forma diferente, prosseguiu a luta através da sua participação cívica e da incessante publicação de romances, onde os valores progressistas, o amor tinham um foco permanente. Mais recentemente também a morte surgia com maior frequência nos seus escritos de um ateu a contas com a inquietação sobre o seu legado,
Ficamos, de facto, mais pobres, quando os imprescindíveis nos vão faltando, mesmo considerando que os valores por que se bateram continuam a exigir-nos a pertinência de um esforço incessante!
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