Em texto anterior (“Demonstrar ou experimentar o conceito de Deus”) vimos como a História da Filosofia tem discutido a validade de se encontrarem provas incontestáveis da existência de Deus, havendo quem defenda a ilegitimidade dessa busca, porquanto a crença num ser divino superior à ordem humana tem mais a ver com a fé do que com a tangibilidade da demonstração.
Sobre essa questão há um quadro bastante interessante do holandês Gerrit von Honthorst, que explicita de forma eloquente a tese da impossibilidade de demonstrar o objeto dessa fé. É «Cristo diante do Sumo Sacerdote», que foi pintado cerca de 1617 e faz parte da riquíssima coleção da National Gallery.
O artista da escola de Utrecht baseou-se numa passagem bíblica (Mateus 26: 57-66) em que se conta como, levado por soldados romanos, Cristo enfrenta Caifás e tem de responder a duas questões fundamentais: quem é e quem pretende ser?
De acordo com a lei judaica, que está contida no livro aberto em frente do Sumo Sacerdote, a pretensão de ser o Messias era punível com a morte.
Este é dos quadros mais importantes do pintor, que reflete a influência de Caravaggio, já que Honthorst vivera em Roma no período em que se abalançara a esta obra.
Exemplo da experiência da fé face à Razão, Cristo só se limita a dizer que é o filho de Deus. É que experimentando-se a si mesmo, terá adquirido a consciência da sua ascendência. Mas o silêncio perante a autoridade religiosa revela a intransmissibilidade dessa experiência.
Elemento fundamental do quadro é a vela quase no centro da composição. Ora a vela simboliza a incandescência interior. Mas querendo-se sentir o calor da chama, é-se obrigado a ir ao seu interior, mesmo com o risco da própria vida.
Não se pode, pois ser e saber ao mesmo tempo. A “experiência” de Deus equivale a permitir o eclipse das faculdades fundamentais da Razão.
Mas a experiência divina não se limita à iconografia católica. Se virmos a imagem serena de Sri Ramana Maharshi no topo da montanha sagrada Arumachala, situada no sul da Índia, encontramos um guru que encarnou para os seus seguidores a realização perfeita da experiência divina.
Falecido em 1950, Maharshi enquadrava-se na filosofia Vedanta em que o politeísmo convertia-se num modelo monoteísta, já que a montanha é dedicada a Shiva, que corresponde à totalidade dos espíritos divinos no panteão hindu.
Para os seguidores do guru o olhar do sábio bastava para fazer acreditar na sua experiência pessoal com o divino. Deus estava presente na figura concreta do místico. E bastava ficar em silêncio na sua companhia para imbuir-se dessa mesma interligação.
Para Maharshi não deveria ser investido nenhum esforço para aceder a essa experiência, porquanto só criaria obstáculos a esse objetivo.
Era tudo uma questão de fé!
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