quinta-feira, 15 de maio de 2014

IDEIAS: Cosmopolitismo versus Mundialização

Será que o cosmopolitismo separa tanto, quanto mistura? O que distingue a mundialização do cosmopolitismo? Eis duas questões pertinentes, quando se trata de analisar ambos os conceitos à luz da Filosofia, sabendo-se que o primeiro de entre eles foi criado pelos estóicos da Antiga Grécia para designarem o ordenamento do caos do mundo.
Nos nossos dias o cosmopolitismo é mais bem visto porque pressupõe tolerância e respeito perante o que é diferente. Pelo contrário a mundialização está inevitavelmente associada a formas contemporâneas de escravidão
O cosmopolitismo tem a ver com a pessoa e é uma ideal muito antigo, porque contemporâneo do surgimento da própria Filosofia quando já se procurava que o Homem se sentisse em casa onde quer que se encontrasse. Não se trata, pois, de o ver como um consumidor.
Ora, a mundialização surge ligada aos mercados e é uma invenção do capitalismo para potenciar lucros e aumentar clientes. No fundo constitui a internacionalização da submissão do trabalho pelo capital.
Um dos momentos em que a ideia de mundialização se impôs de outra forma, que não a ditada pelos mercados, terá sido quando, em 1945/46, no Tribunal de Nuremberga, foram julgados os principais responsáveis do regime nazi em nome do princípio de que o crime não tem pátria, envolvendo uma responsabilidade à escala universal. Tratava-se, pois, da universalidade sob o signo do sujeito, pois estava em causa o crime de negação da condição humana às suas vítimas.
Ora, se a universalidade não for conduzida por cada um de nós, em que afinal se transforma? O cosmopolitismo é assim visto como uma universalidade assumida por um sujeito singular.
A diluição do sujeito num contexto de mundialização, é bem exemplificado pelo surgimento da mesma marca de hambúrgueres por todos os continentes e latitudes num processo de eliminação de todas as singularidades. No limite tudo quanto é típico ou característico de um determinado lugar desaparece para só se tornar exequível o que corresponda à massificação global dos padrões de consumo.
Ora é a singularidade que acarreta a universalidade e a solidariedade ativa do cosmopolitismo quando, pelo contrário, a mundialização constitui a organização coletiva da separação dos homens.
Mas podemos constatar que todos trazemos um alhures dentro de nós próprios, que nos faz seres cosmopolitas. Não se tratando de juntar todos num mesmo local, o cosmopolitismo corresponde a fazer de cada sítio uma espécie de varanda aberta para o mundo inteiro que está à nossa volta.
O homem não vive, pois, num espaço fechado., estando-lhe acessível todos os sítios sem ter de se sentir cingido a um deles. Mas sem abjurar as nacionalidades: o ideal não é converter os outros em imitações de nós mesmos, mas em que uns e outros respeitem as diferenças e saibam viver em comum. Mudar de país não tem de ser uma rutura com a sua identidade, bem pelo contrário: Descartes fazia isso frequentemente, para melhor combater o risco de cristalização das suas ideias.
E a Europa tal qual conceberam os pais fundadores da sua União é a concretização do ideal cosmopolita, embora hoje não faça sonhar porque existe. Mas os europeus podem agora passar de um para outro lado sem terem de perder a sua identidade. E deverá continuar a ser a Europa das Nações em vez de estas últimas se diluírem no seu todo, já que ela se enriquece com a soma da suas alteridades.
(texto criado a partir de uma conversa entre Raphäel Enthoven e Pierre Guenancia no programa «Philosophie» no canal ARTE)


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