sexta-feira, 2 de maio de 2014

FILME: «Geografia Humana» de Claire Simon

No sexto dia do Festival Indie a nossa opção foi para o documentário de Claire Simon rodado na Gare do Nord, depois de aí ter rodado um filme de ficção com esse mesmo nome.

À partida seria interessante ver como a realizadora iria resolver o desafio de manter a atenção do espectador perante uma sucessão contínua de pessoas, que se limitariam a passar entre o átrio da entrada e as composições ferroviárias estacionadas nos cais, sem que os seus testemunhos - necessariamente muito breves! - dessem uma aparência de ligeireza.

Para lhe facilitar a tarefa, Claire recorreu a um amigo de raízes argelinas, mas nascido em França, para que lhe servisse de intermediário entre a sua câmara e as pessoas a quem pretendia ouvir.

O resultado é heterogéneo, dependendo da maior ou menor riqueza desses diálogos, mas convenhamos que eles tornam-se mais eficazes junto dos que trabalham todo o dia na estação (nos serviços de limpeza, na segurança., nos balcões das lojas, etc.) do que nos que por ali passam para apanhar o comboio com destino a Lille, à Bélgica ou à Inglaterra. Mas não deixa de constituir um retrato interessante sobre aquela que é a maior estação ferroviária da Europa, um lugar excessivo na diversidade de quem o frequenta.

Por isso mesmo é particularmente ajustado o título escolhido pela realizadora para o identificar: Geografia Humana. Porque, de facto, desde os sem abrigo aos analistas financeiros da City, dos traficantes de droga aos racistas incomodados pela mescla de cores e de culturas à sua volta, da idosa que tivera loja prestigiada numa das principais ruas comerciais de Paris às jovens preocupadas com a sua sensualidade, estão presentes as diversas classes sociais e escalões etários. E as origens geográficas são igualmente variadas: dos países do Magreb à África subsariana, da Pérsia ao México, passando por vários países europeus (mas onde andam os sempre presentes portugueses?) a câmara de Claire Simon vai listando as diversas latitudes e longitudes.

Para a realizadora, que esteve presente no final da sessão para explicar o projeto e debatê-lo com quem ficou na sala, a gare do Nord é uma espécie de Internet. A multiplicidade das personagens, dos fluxos e das redes materializa-se no nosso olhar, bastando atentar numa direção para ver surgir uma história. Por isso mesmo, com um intervalo de seis meses para não prejudicar a homogeneidade do tipo de vestuário de meia-estação dos seus personagens, ela e a sua equipa passaram dias e noites a espiar as conversas, a provocar encontros e a questionar.

Ao chegar à fase de montagem ela tinha uma enorme quantidade de imagens para as quais era necessário criar uma estrutura, já que trabalhara sem um argumento pré-estabelecido. Mas, concluído o produto final ela confessa o prazer conferido por essa forma, que decorrera da liberdade assumida durante a rodagem.

Quando o filme acaba concluímos que uma estação ferroviária é mesmo aquilo que acabámos de ver: pessoas que se encontram, outras que partem ou que regressam.

No fundo é um espaço preenchido por fantasmas...


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