domingo, 25 de maio de 2014

DOCUMENTÁRIO: «Mesmo Antes da Tempestade» de Don Kent

No Verão de 1914 as sombrinhas das mulheres elegantes e os bigodes dos que as passeavam nos barcos a remos pareciam valsar com as grandes avenidas ensolaradas por onde circulavam, triunfantes, os primeiros automóveis. “Raramente vivi um verão mais exuberante, bonito e até arrisco a dizer, mais estival”, escreveu Stefan Zweig.
Alienada na sua importância, fruto de uma revolução industrial acelerada pelo taylorismo e saciada pelas explorações coloniais, a Europa via-se como centro do universo e confiava nas promessas da  modernidade.
E se, em cenário tão otimista, os expressionistas arriscam obras proféticas, prenunciadoras das trevas iminentes, raros eram os que conseguiam vislumbrar o crepúsculo da Belle Époque.
Ancoradas nas suas tradições seculares as monarquias da Mitteleuropa ainda ignoravam o quanto estavam condenadas, procurando futilmente resistir às rápidas mutações em curso. Era o que se passava com Francisco José, imperador austro-húngaro há já sessenta e cinco anos, a quem Joseph Roth classificava de “homem mais velho do mundo” e que fechava os cortinados do seu palácio de Hofburg para não ver a «Casa sem Sobrancelhas» do arquiteto Adolf Loos.
Viena, Berlim, Londres, São Petersburgo: Don Kent procedeu a uma minuciosa e poética radioscopia dessas capitais, graças aos arquivos a que costuma recorrer tão eficazmente, para mostrar como era o mundo há cem anos, a poucas semanas de todas elas serem sacudidas pelos efeitos da guerra das trincheiras.
Trata-se de uma viagem imaginária de comboio entre o ontem e o hoje e onde o realizador de origem escocesa faz-se acompanhar de uma mala cheia de relíquias de um tio mineiro desaparecido em 1915, ou seja trinta anos de ter nascido. Ele foi um dos 19 milhões de mortos nessa que seria a guerra mais mortífera da história humana até então.
À medida que desfilam as imagens e os encontros com uns quantos eruditos - escritores, historiadores, filósofos ou artistas - vai-se escrevendo o romance de uma idade do ouro de facto já então extinta. Um tempo perdido de que Proust, Musil, Schnitzler, ou ainda Thomas Mann, assinaram algumas páginas inesquecíveis.
E nesse espelho em plano panorâmico onde vacilavam os luares do passado, precipitavam-se em turbilhão o declínio do Império Otomano, o fermento do barril de pólvora em que se converteriam os Balcãs, as tensões multiculturais do Império Austro-Húngaro e os prenúncios da Revolução Russa, que derrubaria o devoto Nicolau II.
Documentado e montado com subtileza, o filme sonda a alma desse mosaico de povos que o “Danúbio separa mais do une” e a psicologia dessas nações à beira da explosão.
Um ano antes de Gavrilo Princip acender a mecha do conflito disparando sobre o arquiduque Francisco Fernando, Freud publicou o seu «Totem e Tabu», que fazia a sexualidade sair da esfera íntima e do pecado mortal e se exibia sem pudores nas telas de Egon Schiele.
Numa urgência inconsciente, a Belle Époque irradiava criatividade. Sacudida em 1913 pelo Skandalkonzert e os seus Altenberg Lieder, Viena rivalizava com Paris onde os Ballets Russos de Diaghilev e os saltos de Nijinski dividiam opiniões.
«Juste avant l’orage» é a crónica desse tempo de inocência, que precedeu o “suicídio da civilização ocidental”, quando dançava sem o saber à beira do precipício.



http://www.dailymotion.com/video/x19cakd_juste-avant-l-orage_tv

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