sábado, 10 de maio de 2014

TEATRO: “Depois da Revolução» no Teatro do Bairro

Eu vi este povo a lutar para a sua exploração acabar! Foi há quarenta anos, nos meses que se seguiram à madrugada do tal dia inicial inteiro e limpo, que prometia todas as ilusões!
Nesse distante verão de 74 pudemos ver no Villaret uma celebração do clima de esperança de então, que tinha o nome de «Liberdade, Liberdade» e era interpretado pela Maria do Céu Guerra, pelo Luís Lima, pelo João Perry, pelo Carlos Carvalheiro e por um conjunto de músicos entre os quais avultava o Júlio Pereira. Dos seus muitos temas musicais sobressaía o Coro da Primavera do Zeca Afonso que, quando chegava ao refrão (Ergue-te ó Sol de Verão/ Somos nós os teus cantores/ Da matinal canção/ Ouvem-se já os rumores/ Ouvem-se já os clamores/ Ouvem-se já os tambores) parecia acrescentar ainda maior vontade à ânsia de querermos um mundo novo a sério.
Reencontrámos o mesmo tema em «Depois da Revolução», a excelente peça criada por Luísa Costa Gomes, Bragança Gil e António Pires, que ainda pode (e deve) ser vista até dia 18 no Teatro do Bairro. E ele surge exatamente a sugerir o mesmo, quando os atores se abeiram dos espetadores para melhor lhes incutir o rompimento com esta abulia em que andamos mergulhados e cumpramos a terceira lei de Newton: uma ação de força equivalente à reação com que o atual poder tem destruído os direitos constitucionais de que nos julgávamos perenes detentores.
«Depois da Revolução» é a peça que melhor celebra o 40º aniversário do 25 de abril, ao contar com duas dezenas de atores e instrumentistas para, mediante canções, extratos de discursos e coreografias, transmitirem a ambiência dos períodos de medo, quando imperava a tirania, e da exaltação das esperanças após o seu derrube. Por isso mesmo, embora sejam convocados protagonistas do pós-25 de abril (pinheiro de azevedo, Vasco Gonçalves), também aparece o senhor Guillotin por causa da sua proposta igualitária para a administração da “justiça” ou a inefável jonet dos nossos dias.
E uma das abordagens curiosas sobre a forma como a festa virou desilusão é a da influência do maoísmo nas hostes da extrema-esquerda. Para além da representação impressiva do seu folclore de então - a lembrar filmes do tipo «Destacamento Vermelho Feminino» -  transmite-se explicitamente a ideia do comprometimento dessa forma de fazer política com o sucesso da direita, que viria a integrar depois muitos dos principais militantes da aparente ideia de uma revolução a todo o vapor. Olhando hoje para gente como helena matos, josé manuel fernandes, agostinho branquinho ou, o mais lapidar de todos, durão barroso, somos obrigados a reconhecer algum sentido em quem, nesses idos de 74 e 75, associava os movimentos de extrema-esquerda, e o MRPP em particular, a manobras facilitadas e financiadas pela CIA.
E, no entanto, eu pecador me confesso: também  acreditei na mistificação, que foi a Grande Revolução Cultural, e me fiz prosélito da sua aplicação à realidade portuguesa. Ainda assim o erro, justificado pela imaturidade do teenager que ainda era, não me afastou do marxismo e do seu objetivo final: o de uma sociedade mais justa e igualitária, sem esta obscena diferença de qualidade de vida entre a exígua elite e a grande maioria dos demais cidadãos. E, por isso mesmo, só posso lamentar o divisionismo, que ainda hoje impede a esquerda de se unir em torno do máximo denominador comum entre todas as suas expectativas políticas e sociais, para que se ponha ponto final nesta odiosa realidade em que vemos tanta gente a sofrer.
«Depois da Revolução» emite essa mesma vontade de ver ultrapassados os divisionismos, mas confronta-nos com a responsabilidade em consegui-lo: porque somos nós quem deve pegar na “canção” e fazermo-nos intérpretes da sua imposição sobre todas as outras.
Podemos concluir que se «Liberdade, Liberdade» era a celebração de uma vitória, que se revelaria efémera, «Depois da Revolução» pode ser vista como o apelo a voltar a fazer dela o nosso objetivo!


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