Dulce Maria Cardoso está a afirmar-se como uma das autoras mais interessantes da nossa contemporaneidade literária. A sua escrita, quase sempre feita de frases depuradas em períodos muito curtos, torna fácil a leitura, ademais facilitada pelo interesse das histórias em si.
«Tudo São Histórias de Amor» é uma coletânea de treze contos, que ora se reportam a uma realidade mediática conhecida (a queda da ponte de Entre-Rios, o desaparecimento de Joana), ora a outras mais genéricas mas socialmente pertinentes (a solidão da velhice, dos que nunca se conseguem fazer gostados pelos outros ou nem sequer sentem vontade em suscitá-lo),
Nalguns casos temos ressonâncias do realismo mágico, que devem algo a Gabriel Garcia Marquez como ocorre logo no primeiro do livro («Este Azul que nos Cerca») onde a jovem mulher de um faroleiro suscita o desejo nos colegas do marido e inveja nas respetivas mulheres lembrando um conto do colombiano em que o corpo de um afogado suscita um intenso desejo erótico numa aldeia de pescadores. Ou, em «Humal», onde encontramos um ser deformado e ostracizado por familiares e vizinhos, que, quando acometido de desgosto, canta com tal beleza, que aquieta as angústias alheias.
Mas, num livro onde a impossibilidade de fusão com o outro, mesmo que forçada («Iguais», onde um gémeo não consegue ficar com uma amputação idêntica à dos irmão embora replique o acidente que o vitimara) ou iludida («Os Anjos por Dentro» em que uma mãe, no momento de salvar os filhos de uma atropelamento iminente prefere proteger um deles em relação ao outro), se torna evidente, o conto mais impressivo é o último - «Autobiografia ou a História de um Crime Premeditado» - em que a autora se faz siamesa de uma irmã assassinada nesse passado em que a descolonização a trouxe de África, como que renascendo diferente daquela que fora e ficara inevitavelmente para trás. Morta.
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