Em condições normais nunca perderia tempo a ver ou a escrever sobre um filme como «Grace» de Olivier Dahan, que acaba de inaugurar o Festival de Cannes deste ano. Por norma sigo a regra de Truffaut que, quando um dia lhe perguntaram porque, enquanto crítico cinematográfico, tecia elogios aos filmes sobre que se debruçava, respondeu só valer a pena dedicar tempo ao que de verdadeiramente se gosta.
Mas, dias atrás, começavam a surgir as notícias sobre os problemas do realizador com o seu produtor, o temível Harvey Weinstein (conhecido em Hollywood por «Mãos de Tesoura) e com a família Grimaldi apostada em conseguir o boicote do público e dos jornalistas ao que considerou um atentado à memória de Grace Kelly.
A polémica torna-se-me interessante, porque o marketing é sempre algo de fascinante, sobretudo para aferir se consegue ou não vender melhor o produto em causa. Porque, enquanto consumidores devemos estar bem alerta com todas as armadilhas destinadas a embalarem-nos, de forma a não parecermos aquela personagem de um filme do Jerry Lewis, que consumia, qual robot, tudo quanto se ia anunciando na televisão e tinha disponível na mesa ao lado.
Importava, pois, esclarecer se tudo não passava de uma estratégia bem organizada em torno de uma história polémica e destinada a ter milhões de bilhetes vendidos nas salas de cinema, com muito cheiro a pipoca e arrotos q.b. produzidos pela coca-cola, ou se imitava a patética tentativa ensaiada nestes dias por um cantor pimba, cuja suposta hospitalização tanto «dinamizou» os nossos telejornais.
Agora que a vaga chegou à praia e já começou a refluir pode-se supor que Dahan quis imitar o sucesso de outro produto lamentável da sua lavra - a biografia da Piaf - que garantira um óscar de interpretação a Marion Cottillard.
O que congeminou então como história? Seis anos depois de casar com Rainier, que a sepultura viva num túmulo feito de rígidos protocolos e de condessas tolas mais interessadas no baile anual do que na renovação de um hospital, a protagonista viu a possibilidade de um sopro de liberdade no convite de Hitchcock para protagonizar «Marnie», num papel criado especificamente para ela.
Mas alguma vez a corte do Rochedo a libertará para retomar a carreira de atriz? Confrontada com a interdição dessa escolha, Grace acede a desempenhar outro, já que, nesse ano de 1962, De Gaulle está furibundo com Rainier por uma anódina questão de impostos e ameaça anexar de vez o principado. Será ela a salvar a situação com um discurso supostamente brilhante, mas que Nicole Kidman interpreta de forma a que só possa soar a ridículo.
As críticas ao filme competem entre si em imaginação e acutilância. A mais sintética é a publicada no “Daily Telegraph”, que o classifica de melodrama idiota. A “Variety” considera que o filme consegue ser tão inerte quanto os músculos das bochechas de Kidman. No “Guardian”, Peter Bradshaw lembra a fasquia muito elevada que Naomi Watts atingira no ano transato com esse outro desastre dedicado a Lady Di. Mas, agora, reconhece que, nesta espantosa catástrofe, Kidman consegue superá-la.
Mas o comentário mais espirituoso surgiu no “Hollywood Reporter» ao lembrar como a série “Shrek” desconstruía as convenções dos contos de fadas com maior profundidade e humor do que este triste desfile de máscaras de cera célebres e sem vida.
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