quarta-feira, 21 de maio de 2014

IDEIAS: Diversidade

À partida o termo “diversidade” é bastante simpático, acolhedor, caloroso, embora sugira todo um vasto conjunto de questões a começar pela mais evidente: aquele que designamos como oriundo dessa “diversidade” não é branco. Como se se tratasse do “não eu” do branco, ou melhor ainda, o que o homem branco designa como não sendo ele mesmo.
Trata-se, pois, de uma categorização que tem por objeto etnias ou raças e em que quem está em maioria define a norma sobre quem é “diferente” o que garante uma hierarquização dos estatutos sociais.
Por isso mesmo, quando se valoriza a diversidade pode-se, de facto, estar a estigmatizá-la, cingindo o outro á sua diferença.
É claro que estamos felizmente distantes do tempo em que o acesso a autocarros ou a casas de banho eram segregados para brancos e negros no Alabama dos anos 50, porque passou entretanto a vigorar uma igualdade jurídica, que, ainda assim, nem sempre é respeitada na realidade concreta. Essa evolução cultural não foi capaz de pôr fim a certas formas de subalternização ainda vigentes no quotidiano.
Uma tentativa de superar essas manifestações larvares de racismo tem passado pelas medidas políticas de valorização de um discurso em prol dessa diversidade.
No discurso de 2008, em Filadélfia, em que ainda nem sequer se tinha apresentado como candidato democrata às presidenciais, Barack Obama fez um discurso memorável (“A More Perfect Union”) em que apostava numa América capaz de se libertar da questão racial através da aceitação das histórias diversas - incluindo as de injustiças raciais - de quem a integra, mas capazes de convergirem numa mesma esperança coletiva. A de um ideal de justiça social.
Uma outra resposta possível ao racismo pode ser o comunitarismo baseado na discriminação positiva de quem é oriundo dessa diversidade. O comunitarismo funciona então como uma espécie de resposta à injustiça e às humilhações de se sentir diferente e subalternizado numa sociedade dominada pela etnia maioritária. Mas esta via arrisca-se a apresentar as minorias apenas focadas nos seus interesses específicos sem levarem em conta o bem comum de todos.
Ora a promoção da diversidade não nos separa, de facto, da tolerância por ela pretendida? É que, ao suscitar a questão das minorias está-se a pôr em causa uma pretensa neutralidade. Mas, por exemplo, quando se valoriza a paridade nas listas de candidatos às eleições, de forma a incrementar a participação feminina, temos um bom exemplo de como se podem forçar mudanças na forma de colocarmos questões políticas e fazer evoluir o respetivo debate de uma forma mais representativa. Nesse sentido as questões relacionadas com a diversidade e com a paridade podem ter naturezas similares, por derivarem de fenómenos de dominação cultural.

Um bom exemplo de todas estas questões surge em «As Jóias de Castafiore», que Hergé publicou em 1963, e onde o capitão Haddock põe os nervos em franja ao criado Nestor, ao autorizar ciganos a instalarem-se nos jardins de Moulinsart depois de constatar a miséria em que vivem. Dir-se-ia que, há cinquenta anos, os ciganos eram vistos de forma mais favorável do que hoje, apesar de estarem, entretanto reconhecidos como cidadãos europeus e existirem fundos comunitários destinados a favorecerem a sua integração. Ainda assim os Dupont tentam acusá-los do roubo das joias acabando dececionados ao descobrirem ter sido uma ave a perpetrá-lo (“Logo agora, que tínhamos os culpados, eles arranjaram foram de ficar inocentes!”, exclamam).
Equívoca como estratégia de combate ao racismo, ainda se justifica integrar a diversidade dentro da prioridade política de lutar contra a discriminação. Porque o universalismo que se revele cego às diferenças não constitui uma solução verdadeiramente justa.
(texto resultante de uma conversa de Raphäel Enthoven com Sophie Guérard de LaTour no programa «Philosophie» do canal ARTE)


Sem comentários:

Enviar um comentário