quarta-feira, 14 de maio de 2014

POLÍTICA: As esquerdas e a “farsa limpa”

«Tragédia limpa» é o título do artigo de Sandra Monteiro com que se abre a mais recente edição da versão portuguesa do jornal «Le Monde Diplomatique», por certo uma das publicações regulares mais interessantes da imprensa portuguesa não só pelo conteúdo da informação, mas sobretudo pela profundidade da análise com que cuida dos seus vários temas.
No artigo em causa a diretora da publicação consegue emitir a opinião mais definitiva e sintética sobre a suposta “saída limpa” do programa da troika: “Estamos perante uma farsa limpa, uma realidade suja e uma saída que, nestes moldes, simplesmente não existe.”
Pena é que a maioria dos jornais e televisões nacionais tenha alinhado na campanha mistificatória lançada por passos coelho e seus cúmplices para iludir as vítimas das suas malfeitorias. Para Sandra Monteiro o que se passou só merece uma designação: “A farsa (reproduzida sem qualquer exigência crítica pela generalidade dos meios de comunicação, está a tornar-se intoxicação.”
Hoje serão poucos os portugueses que ignoram o verdadeiro resultado da aplicação do Memorando: a “reconfiguração do Estado (amputando as suas dimensões sociais e os serviços públicos) e do trabalho (cortando empregos, direitos e salários, precarizando e forçando tantos desempregados à emigração).”
Por muito que o marketing político do governo se exceda em novas fórmulas para espalhar as mesmas mentiras e deturpações, não consegue calar as sucessivas denúncias sobre a forma como o sistema financeiro internacional conseguiu “transformar uma crise bancária e financeira numa crise de dívidas dos Estados.”
Bem pode o inefável montenegro proclamar um Portugal bem melhor comparativamente com o de há três anos atrás, que não consegue desmentir a realidade de uma “dívida pública formatada para ser insustentável e garantir a asfixia permanente (…) para uma trajetória duradoura de endividamento e empobrecimento.”
O Manifesto dos 74 já demonstrou o largo consenso político em defesa da reestruturação da dívida enquanto única saída séria para a crise. Porque se não for concretizada no mais curto prazo os efeitos serão devastadores:
· a realidade de quem vive do seu trabalho será trabalhar mais e receber menos;
· a de quem cai na precariedade será a constante perda de direitos;
· a de quem está desempregado será a emigração ou a eternização dessa condição;
· a de quem se reforma será a de pensões que deterioram muito o seu nível de vida.
· e a riqueza continuará a acumular-se entre os beneficiários da austeridade.
Todas estas razões deveriam servir para que a esquerda alterasse a forma sectária como se tem comportado.
Infelizmente não tem sido essa a tónica dos discursos dos seus candidatos às eleições europeias, ouvindo-se-os a criticarem-se obsessivamente entre si em vez de concentrarem na coligação da direita o essencial das suas denúncias. Por isso mesmo a questão com que Sandra Monteiro conclui o seu texto faz todo o sentido: “Se não for agora que a esquerda, que todas as esquerdas, se empenham em deter este empreendimento criminoso e substituí-lo por políticas que promovam a justiça social, quando será?”


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