Vivemos num século em que a solidão se tornou numa componente essencial da existência humana.
Foram tão negativas as experiências totalitárias do século passado - capazes de convocar a adesão de gigantescas massas populares cuja identidade se diluía no discurso do seu coletivo e encarnadas em líderes mais ou menos providenciais -, que cresceu a desconfiança do indivíduo em relação aos seus vizinhos.
Tornou-se regra afirmar-se a sua independência se necessário contra tudo e contra todos. Ainda que essa suposta e determinada solidão mais não seja que uma ilusão como nos avisava o poeta John Donne desde o século XVII (“Nenhum homem é uma ilha”).
Na realidade nunca se consegue viver só: a solidão é sobretudo uma ausência, que pode ser vivida ora com êxtase, ora com angústia. Pode exprimir uma carência afetiva, uma necessidade intelectual ou uma opção de vida.
O solitário é aquele que não interpela, ou quem, por nunca ser evocado, adquire uma certa transparência.
A solidão moderna abandonou os desertos escolhidos pelos eremitas do passado e passou a sediar-se no centro da experiência urbana. Algo que Descartes já descrevia numa carta a um amigo em maio de 1631: contava-lhe que, estando num sítio - Amesterdão - onde as pessoas apenas se preocupavam com os seus negócios e lucros, “poderia morar aqui para sempre sem que ninguém me visse. Vou passear diariamente para o meio da confusão popular, com tanta liberdade e repouso que os homens que vejo são como árvores numa floresta ou os animais que por ela passam.”
O solitário afasta-se, assim, dos assuntos mundanos e perde voluntariamente as referências - os comportamentos sociais, as modas - para demonstrar a rutura com a sociedade.
Se voluntária essa opção tem um objetivo: o de se tornar melhor do que era. E mais livre...
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