domingo, 4 de maio de 2014

CINEMA: Sob o signo de Ingmar Bergman

Na véspera do encerramento do Festival Indie deste ano, a nossa despedida fez-se sob o signo de Ingmar Bergman. Seria um programa promissor, que nos comprometeria a ficar sentados nas cadeiras das salas Félix Ribeiro e Luís de Pina da Cinemateca durante quase quatro horas para revisitar um dos cineastas mais influentes na nossa adolescência durante a década de setenta, quando ele já então era idolatrado como um dos grandes mestres da sétima arte, mas vivia uma viragem singular no percurso criativo, que já contava com títulos de referência nas duas décadas anteriores.
Estava prevista a exibição de «O Rosto» e do documentário «Trespassing Bergman», mas só a segunda parte do programa foi cumprida: logo na bilheteira surgia o aviso em como devido a um pedido do exibidor - que decerto prepara a apresentação do filme programado para o «Nimas» - seria «A Hora do Lobo» a surgir como proposta alternativa. Ora este filme já o víramos há uns meses atrás, quando integrara a programação regular da Cinemateca, e não nos suscitara particular adesão. Mas, como comentaria depois Woody Allen no documentário sobre a vida e obra do realizador, Bergman nunca foi cineasta para se ir de peito feito para a abordagem dos seus filmes sem procurar prévia informação de apoio. E, desta feita, as quatro folhas distribuídas com um texto esclarecedor de João Bénard da Costa fizeram toda a diferença. Aquela que nos parecera uma obra menor comparativamente com outras, que reputaríamos bem mais relevantes na sua filmografia, acabou por se revelar uma dos mais elucidativas sobre os demónios interiores, que sempre acompanharam o realizador nos seus oitenta e nove anos de vida e o chegaram a sinalizar como autor de filmes inadequados para mentes depressivas.
Desta feita constituiu um desafio interessante identificar na progressiva deriva do pintor Borg para a loucura, e sobretudo nos fantasmas que para ali o empurram, muitas das referências biográficas do realizador, que nunca as deixaria de explorar filme após filme, mesmo quando não se tratava de proposta tão assumidamente autobiográfica como o era «Fanny e Alexandre».
Existe o distanciamento progressivo do casal, que começara por parecer sinceramente apaixonado, a impossibilidade de escapar ao que se foi e a quem se conheceu, a opção por uma representação teatral e a relevância conferida aos pesadelos. Já rodado na ilha de Farö para onde se mudava todos os verões com a sua equipa técnica e com os atores, Bergman também aproveitava para experimentar os processos e a estética própria dos filmes de terror.
Quanto a «Trespassing Bergman» começa por haver uma boa ideia à partida, mas cuja concretização fica aquém do que desejaríamos. A equipa de produção do documentário convidou alguns cineastas a visitarem a casa do realizador em Farö, ignorando a proibição de visitá-la por que o proprietário era tão cioso. Temos assim Alejandro González Iñárritu, Tomas Alfredson, John Landis, Claire Denis e Michael Haneke a invadirem o santuário do mestre e a  espreitarem as videocassetes e os livros da sua coleção, o mobiliário e a paisagem em torno da casa.
Mas, em vez de se partir daí para a abordagem concreta das principais obsessões de Bergman e de como ele operara a respetiva catarse nos seus filmes - o tema que mais nos interessaria! - ou, em alternativa, como o seu cinema influenciara o percurso criativo de outros realizadores, pouco se acrescenta. O mesmo sucedendo com o desfile de toda uma feira de vaidades, ou seja de um conjunto de depoentes que, à exceção de Woody Allen - o mais consistente no relato sobre como descobrira o cineasta sueco e ele o influenciara - e de Lars von Trier - que repisa o seu sempiterno número do provocador de serviço - nenhum dos outros acrescenta algo de novo por muito que se chamem Scorcese, Coppola, Kitano, Ang Lee, Wes Anderson ou Zhang Yimou.
O mais interessante residirá na evocação de alguns dos filmes mais conhecidos do realizador, mas com falhas tão evidentes como o são por exemplo «Lágrimas e Suspiros», «A Flauta Mágica» ou «Serenade».
Para um documentário de quase duas horas o resultado é pobre, sabe claramente a pouco. Mas provavelmente Bergman prescinde bem de hagiografias, que o santifiquem, porquanto a sua riquíssima obra fala bem por quem ele foi, tão evidentes são as interligações entre o que viveu e o que criou.
  

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