Tivemos a saída da troika, mas bastam três indicadores para demonstrarem a enorme mistificação, que envolveu o conselho de ministros extraordinário ou o regresso do célebre relógio de paulo portas:
· entre o segundo trimestre de 2011 (quando a troika chegou a Portugal) e o primeiro trimestre de 2014 (os últimos dados disponíveis), a economia portuguesa registou uma queda acumulada de 5%.
· as medidas de austeridade que retiraram rendimentos às famílias levaram a uma diminuição inédita do consumo privado de 7,1%.
· As expectativas mais negativas de vendas e o aperto do crédito levaram o investimento a afundar-se em 19,2%.
Para Ricardo Paes Mamede estão mal explicadas as razões porque o país não vê a sua economia a crescer. Segundo o professor do ISCTE é falsa a argumentação em torno dos exagerados custos do trabalho: o problema reside nas competências tecnológicas e organizacionais. Ao “Público” ele fundamentou a sua opinião em função do que aconteceu nestes três anos: “A queda substancial do investimento privado (incluindo em inovação), a falência de empresas (não apenas de construção, mas também de sectores mais avançados da indústria e dos serviços) e a emigração de pessoas qualificadas que se verificaram nos últimos anos reduziram o nosso potencial de crescimento”. E acrescentou: “Se a isto juntarmos o endividamento e a descapitalização das empresas, não vejo que estejamos em condições de crescer na próxima década a um ritmo superior ao que crescemos na década anterior à chegada da troika”.
A exemplo dos demais signatários do «Manifesto dos 74», Ricardo Pais Mamede só existe uma forma de os portugueses se livrarem do colete de forças em que a dívida os tolhe: a sua reestruturação.
Mais adiante, no mesmo jornal, o sociólogo Boaventura Sousa Santos também desmente o foguetório em torno da “saída limpa”:
“Mistificação consiste em fazer alguém acreditar numa mentira. A mentira é que o processo da troika terminou com êxito, que Portugal tem hoje melhores condições para se desenvolver como país europeu e que a reforma do Estado proposta garante a criação de uma sociedade mais equitativa.”
E aquele que costuma causar na tenebrosa filomena mónica um ódio de estimação, dá exemplos de como a mistificação não ilude quem a vê do lado de fora: “Do Deustche Bank ao FMI, os relatórios são unânimes em mostrar que Portugal, longe de convergir, vai continuar a divergir da Europa desenvolvida. Ou seja, o objetivo da integração na União Europeia fracassou, um fracasso que, com doses brutais de mistificação, se apresenta como êxito.
Depois da guerra do Vietname, nunca uma derrota se disfarçou tão bem de vitória. Dado o seu novo estatuto, Portugal, para não estorvar, tem de ser mantido dentro, mas do lado de fora, e vigiado.
Portugal sai da Europa seguro pela trela curta do euro e do tratado orçamental. Não pode ir muito longe. Arranjará um lugarzito na soleira da porta da Europa, um país sem abrigo por onde passarão regularmente as carrinhas da sopa humanitária.”
A exemplo de Pais Mamede, também Boaventura Sousa Santos arrisca uma alternativa a tão confrangedor destino socorrendo-se de um célebre romance de Saramago: “é necessário que a jangada de pedra, tão premonitória, se afaste o suficiente para romper com a trela ou para forçar que ela seja refeita de modo a dar mais margem de liberdade ao movimento da jangada”.
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