Sempre fui dos que duvidei das profissões de fé de «patriotismo», porque, por norma, e como aliás no-lo disse Samuel Johnson no século XVIII, por trás delas esconde-se quase invariavelmente um canalha.
Por isso não duvido que a expressão se ajusta perfeitamente a paulo portas, quando vem reivindicar mil seiscentos e quarentas e relógios desacertados para pretender cavalgar a propósito da saída da troika.
Mas, como o defende José Vítor Malheiros no artigo de opinião ontem inserido no «Público» («Não ao Colaboracionismo»), existem períodos históricos em que se justifica a adesão a orgulhos patrióticos a fim de expulsar os colaboracionistas que servem de espantalhos aos interesses estrangeiros. Por exemplo os movimentos de Resistência nos países ocupados pelas tropas nazis são disso a ilustração mais óbvia.
Ora, hoje, mesmo não estando sob ocupação militar “vivemos há três anos sob outro tipo de ocupação, virtual, comandada à distância, por potências financeiras sem nome e sem cara, que ditam os nossos destinos.”
É em nome dessa ocupação que “as necessidades e os desejos da população são subalternizados perante interesses que lhe são alheios, onde o património nacional e o património pessoal dos cidadãos são pilhados e exportados pelas potências ocupantes, onde o contrato social é vilipendiado como coisa desprezável, onde um governo colaboracionista atribui um estatuto sagrado aos seus deveres de obediência perante a potência ocupante mas renega as suas obrigações perante os cidadãos, onde um número crescente de cidadãos é atirado para a miséria e para a carência e impossibilitado de exercer a sua cidadania. “
O Manifesto dos 74 veio corresponder ao mesmo tipo de preocupação que, há setenta anos, unia personalidades de direita e de esquerda para obterem a libertação dos seus países da ocupação militar alemã. Por isso, os seus subscritores vieram demonstrar que o país está preparado para um grande consenso nacional totalmente oposto ao proposto pelos colaboracionistas passistas e cavaquistas, e capaz de iniciar o processo de libertação da pesada canga, que veio sobrecarregar os portugueses sob a forma de uma dívida soberana impossível de pagar nos termos com que os credores pretendem ver-se ressarcidos.
Continua José Vítor Malheiros: “O Manifesto dos 74 mostra que há quem ponha o interesse dos portugueses acima do interesse dos mercados financeiros e quem coloque a soberania do povo acima do poder sem rosto do dinheiro. O Manifesto dos 74 mostra que há, da esquerda à direita, quem não ceda ao colaboracionismo, por diferentes que possam ser as suas visões da sociedade. Este manifesto é, por isso, um importante passo para salvar a honra perdida da política, prostituída pelo Governo, e para restaurar a imagem da democracia, vítima da violação coletiva quotidiana do PSD e do CDS.”
Não espanta que, quem neste episódio revelou verdadeiro patriotismo, tenha visto atiçar-se contra si a raiva dos traidores. Os colaboracionistas sempre detestaram ver-se desmascarados na sua verdadeira natureza.
José Vítor Malheiros conclui o seu texto lamentando que o Manifesto não tenha sido emanado de um ou mais partidos, mas trata-se de algo de inócuo no momento atual. Os consensos podem criar-se de fora para se imporem depois à agenda interna de quem terá a responsabilidade política de os traduzir em atos. Ora o mais certo é não tardar muito a firme reivindicação do que ali se propõe por parte da maioria dos partidos representados na Assembleia. Até por aqueles que, hoje verberando o Manifesto, dele se quererão apossar quando o virem como ferramenta essencial para caçarem votos aos eleitores.
Caberá então a estes ajuizarem, com maior argúcia do que há três anos atrás, quem pode ser merecedor da sua desconfiada confiança!
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