Já quase ninguém duvida da nossa origem animal, porquanto a ciência já o demonstrou indubitavelmente. Mas uma coisa é sabermos, que somos provenientes da condição animal, outra a de reapropriarmo-nos desse conhecimento para o transformar numa autêntica experiência de formulação mental.
É um facto que não conseguimos designar essa origem senão em expressões demasiado humanas («O homem como ser humano»), ou demasiado naturais («O homem como animal humano»).
Por um lado do humanismo dá tudo ao homem: o pensamento ou razão, a sociabilidade ou a técnica. Ou seja as qualidades absolutas, que fazem do homem um ser acima da natureza ou metafísico.
Por outro lado sabemos que somos uma espécie tardia na História Natural. Entre o humanismo, que é espontaneamente o nosso em termos de linguagem, e o naturalismo professado pela ciência, acabamos por não entender bem onde se situa a nossa condição humana, porque ela pressupõe-se a meio caminho entre essas duas perspetivas adversas, em que cada uma consegue ser por si mesma verdadeira no seu todo.
Raramente se procedeu a um exame filosófico rigoroso sobre a relação do homem com o animal. E coloca-se a questão: pode a filosofia aprofundar o tema de acordo com a sua metodologia? Terá algo a acrescentar a uma fútil convicção moral, que a tenderá a intimidar?
À partida fomos descobrindo que as características, que associávamos ao comportamento especificamente humano, também estão presentes nos animais: os macacos riem, os gatos sonham, alguns cães dão-se prazenteiramente à homossexualidade, as baleias suicidam-se…
Coloca-se, pois, a questão da redescoberta do que é efetivamente específico da nossa condição humana.
A Metafísica clássica considerava que o homem tem atributos específicos como a linguagem, o pensamento ou o comportamento. Mas agora somos tentados a optar por uma Metafísica invertida em que começamos por definir o que é próprio dos animais e o distancia do homem. Investigando até os casos, que têm a ver com as características dos próprios locais: por exemplo os macacos de Koshima aprenderam a cozer as batatas na água quente das fontes termais, um comportamento que não se replica nos seus congéneres de outras latitudes.
Na fotografia de Gilles Aillaud intitulada «Intérieur Vert» temos uma foca, que nos dá a sensação de sonhar no seu espaço fechado. O seu olhar convida à empatia, mas acresce a contradição da doçura do seu olhar com a porta explicitadora da sua catividade.
Se nos reportarmos aos macacos AY e Ayum, a quem o cientista Tetsuro Matsuzawa ensinou a memorizar os números de forma ordenada e os conseguiam depois identificar, mesmo escondidos, com uma rapidez superior à de qualquer humano, somos convidados a assumir uma prudente modéstia quanto à nossa suposta superioridade em relação a esses animais. (http://www.youtube.com/watch?v=qyJomdyjyvM)
Justifica-se a interrogação: será que a especificidade humana tem a ver com a capacidade de olhar o mundo independentemente das nossas necessidades básicas? É uma abordagem possível: somos capazes de nos encantarmos com o que vemos independentemente do interesse pratico que tenha para nós. Não esqueçamos que Ay e Ayum eram premiados em função do sucesso do seu desempenho!
Existe um paralelo fascinante entre a imagem acelerada de Times Square vista de cima e uma termiteira, como se os automatismos fossem os mesmos entre humanos e formigas. Mas essa comparação denuncia um dos perigos da abordagem a que nos propusemos: à distância as semelhanças são evidentes, mas aproximando-nos de uma e de outra dessas imagens em movimento, a ilusão esvai-se. Ver uma formigueira de longe implica não ver a relevância de cada uma das suas formigas. Daí a necessidade de não nos deixarmos apressar por algumas conclusões interessantes, mas tendencialmente falsas.
Por ora mais valerá definir a vida humana em função das ilusões, que a compõem. Somos animais, mas estamos a deixar de sê-lo. A Humanidade nunca está adquirida, é algo que se vai adquirindo...
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