(a propósito do documentário «Khrouchtchev à conquista da América» de Tim B. Toidze»)
Setembro de 1959. Um gigantesco Tupolev 114 - o único avião da época capaz de voar diretamente de Moscovo a Washington sem escala para reabastecimento - chega à capital norte-americana com o primeiro secretário do Partido Comunista da União Soviética a bordo.
Trata-se de um acontecimento inédito com que a Casa Branca pretende dar algum fulgor à sua cinzenta Administração.
Acolhido pelo presidente Eisenhower, Nikita Khrouchtchev - a quem a imprensa local passa a designar por «Mister K» - irá atravessar os Estados Unidos do leste até ocidente durante duas semanas. Mas logo nessa receção é dado o tom geral à forma como a visita irá decorrer, não cuidando cada um dos lados em provocar o antagonista. Logo a começar o líder soviético trata de oferecer ao anfitrião uma réplica da nave russa, que aterrara pela primeira vez na Lua no dia anterior.
Desde o começo da viagem, que a imprensa segue a comitiva por todo o lado, comentando pormenorizadamente todos os acontecimentos com ela relacionados.
Na época ainda só há pouco tempo tinha sido refreada a caça às bruxas, que se manifestara na perseguição a todos quantos eram suspeitos de simpatias comunistas e trabalhavam no cinema, na imprensa ou nas forças militares. Por isso mesmo, antes mesmo de pousar no solo americano, Khrouchtchev inspirava mais medo do que afabilidade. Por isso mesmo ele aposta em inverter essa tendência coletiva e virá-la a seu favor.
Acompanhado pela família e rodeado de oficiais, ele visita Washington, Nova Iorque, Los Angeles, San Francisco, Pittsburgh…
Nessa primeira semana de viagem as ruas e estradas por que passa mostram grandes enchentes, mas a maioria das pessoas olha para o visitante com curiosidade inquieta e sem corresponder aos acenos, que ele lhes dirige.
Na cidade do cinema, Khrouchtchev reage intempestivamente contra o discurso do presidente da câmara, que o confrontara com uma frase sua de um par de anos antes, quando prometera «enterrar» os governos ocidentais. Uma frase profusamente utilizada contra si depois de devidamente retirada do seu contexto.
Nessa mesma altura a projetada visita à Disneylândia é retirada do programa por alegadas razões de segurança e levam-no às filmagens de uma produção em que procuram propiciar aos fotógrafos o máximo número de fotografias com o líder russo rodeado de bailarinas de cancan numa óbvia referência à suposta degenerescência de costumes soviéticos já amplamente difundida no libelo anticomunista «Ninotchka» com Greta Garbo..
Na altura chega a colocar-se a possibilidade de findar ali mesmo a visita de Estado.
Mas esse episódio representará precisamente o momento de viragem da opinião publica a respeito desse homem algo rústico, que se apresenta como antigo mineiro e operário, e não hesita em oferecer o seu próprio relógio a um assalariado do Iowa.
Quando Eisenhower e Nikita Khrouchtchev se reencontram em Camp David o clima é propício para o inicio das conversações para colocar um travão à corrida aos armamentos cuja lógica parecia ser a de um apocalipse mais ou menos anunciado.
Mal se adivinhava que não faltaria muito para que a crise dos mísseis para Cuba quase pusesse todo o mundo à beira desse catastrófico cenário.
O filme mostra como esta «conquista da América» poderia ter significado uma autêntica revolução no clima de guerra fria então existente...
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