1915 na Côte d’Azur. O pintor Auguste Renoir perdeu a alegria de viver, acometido pelas dores da idade, pela morte recente da esposa e pelas notícias da Guerra.
Cingido à cadeira rolante pela poliartrite, Renoir nunca sai de Collettes, a propriedade transformada num gigantesco bunker - uma espécie de prisão a céu aberto - destinado a rechaçar dois perigos: a morte e a guerra, responsável pelo afastamento dos dois filhos, Pierre e Jean. O primeiro era ator, o segundo será o futuro realizador de «A Regra do Jogo».
Auguste vai, porém, conhecer um milagre redentor na forma de Andrée, uma bela jovem, que se lhe vem oferecer como modelo. E recupera o prazer de pintar, fascinado pela sua pele de veludo, pela silhueta juvenil, pela firmeza dos seios.
Quando Jean regressa a casa para a convalescença de um ferimento de guerra, conhece a jovem, já tão importante na vida do pai. E ele próprio irá beneficiar com a presença de Andrée, porquanto será ela a alterar-lhe a direção para onde a vida parecia encaminhá-lo.
À primeira vista o filme parece pairar no vazio entre os seres, que vai revelando. Mas é um filme imóvel onde tudo acontece, onde o vazio é preenchido por confrontos secretos e desejos refreados.
Gilles Bourdos multiplica os movimentos de câmara, com uma elegância e uma fluidez quase impercetíveis. A pequena sociedade fechada em Les Collettes é um gineceu luminoso onde mulheres de várias gerações estão devotadas ao serviço do artista e da sua obra. Isso de dia, porque à noite a propriedade torna-se no espaço onde ocorrem os pesadelos, os gritos de dor do ancião, que assombram o filho mais novo, Claude, que se divide entre o rancor e a sua própria dor.
A vida luta contra a morte. E a vida é a da bela Andrée, que tudo quer, a começar por tornar-se atriz de cinema nem que para tal tenha de convencer Jean a esquecer as cicatrizes e a comprometer-se com uma carreira de realizador - o que efetivamente virá a acontecer, pelo menos até 1931, quando - sob o nome de Catherine Hessling - ela será a protagonista dos primeiros filmes dele («Une Vie sans Joie», «La Petite Marchande d’Allumettes», «La Fille de l’eau» e «Nana»).
Ao contrário do que se poderia pressupor, o filme não foi rodado na propriedade de Collettes, onde Renoir passou os últimos anos e depois transformado em museu dedicado á sua obra. Bourdos escolheu outra região - a de Var - para conservar a luz maravilhosa do sul da França.
Como se tratava de um filme sobre o trabalho de um pintor, Gilles Bourdos estudou pacientemente o trabalho de dois cineastas: Maurice Pialat, que rodou «Van Gogh» em 1991, e decidiu nunca filmar o pintor a trabalhar nas suas telas; e Vincente Minnelli, que estreou «A Vida Apaixonada de Van Gogh» em 1956, e decidira citar frontalmente as situações reproduzidas nos quadros. A opção do autor de «Renoir» foi a de mostrar o pintor a trabalhar sem chegar a referenciar as suas obras. Recorreu para tal a Guy Ribes, um falsário acabado de sair de uma pena de três anos de prisão e conhecido pela capacidade em imitar o estilo dos grandes mestres da pintura desde Chagall a Picasso ou Matisse.
Para o desempenho de Renoir, Gilles Bourdos escolheu Michel Bouquet por lhe encontrar traços comuns com o pintor: “Encontrei em Michel a mesma obstinação, a mesma coragem perante a adversidade. (…) O que me interessava nele, para além do talento de enorme ator, era a sua conhecida relação de mestre mais velho junto dos jovens atores”.
Para compreender o que o esperava Bouquet leu atentamente a biografia «Pierre-Auguste Renoir» da autoria do filho Jean, visionando igualmente uma curta-metragem de 1914 de Sacha Guitry onde se via o pintor em atividade.
O resultado final é um filme belo, como o podem ser as telas do pintor...
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