Não será difícil prognosticar que, se acaso a União Europeia conseguir escapar à degenerescência a que foi condenada pela crise aberta com a falência da Lehman Brothers, os dois mandatos de durão barroso ´`a frente da Comissão serão avaliados como um período particularmente negro na vida da organização. Depois de políticos de grande dimensão e cultura, de que Mitterrand e Willy Brandt foram exemplos paradigmáticos, têm-lhes sucedido personalidades menores cheios de prosápia a respeito da sua suposta importância, mas de uma mediocridade lamentável bem aproveitada pelos setores financeiros, que lhes aproveitaram a notória falta de qualidades.
Na edição dominical do «Público» um investigador francês, Jacques Rupnik, dá uma longa entrevista em que vale a pena reter quatro momentos bastante interessantes para a avaliação da atual crise na Ucrânia.
Em primeiro lugar ele explica a atitude errada que a União Europeia tem tido sobre a questão por uma razão principal: “A Europa estava demasiado centrada nos seus próprios problemas em torno da crise do euro e isso explica, em parte, a razão pela qual não avaliou os desafios da sua periferia imediata.”
Depois, o tipo de relação que a União Europeia tinha em mente quando propôs um acordo comercial à Ucrânia não era propriamente aquilo que os setores golpistas de Kiev quiseram entender: “o que era proposto no acordo de associação da União Europeia não foi visto por Bruxelas como qualquer coisa de revolucionário - uma espécie de jogo de vida e de morte na relação com a Ucrânia e, sobretudo, com a Rússia. As políticas de vizinhança não são mais do que isso: acordos que permitem o acesso ao mercado europeu, que asseguram ajuda à modernização e que garantem uma melhoria das políticas de vistos. Mas em nenhuma circunstância isso significa a adesão à União Europeia. A UE pensou que não estava a propor nada de extraordinário ao ponto de poder provocar uma crise interna na Ucrânia e uma crise na relação com a Rússia. Creio que houve alguma subestimação da possibilidade de a Rússia ver neste acordo uma mudança radical da orientação política ucraniana, o que não era caso.”
O que muitos dos que acorreram à praça Maidan foram compelidos a acreditar tinha a ver com a mirífica possibilidade de, a curto prazo, aderirem à União Europeia e, por um passe de mágica, passarem a usufruir dos rendimentos e regalias, que supuseram ser a realidade desse vasto conjunto de cidadãos europeus. Ninguém lhes disse, nem quereriam provavelmente acreditar, na existência de um denominador comum por toda a Europa: “ninguém quer um novo alargamento da União. A opinião pública europeia é esmagadoramente contra. Na Alemanha é de 75%, em países como a Holanda, Áustria ou França é de 70%. E mesmo na República Checa chega aos 51% contra a continuação do alargamento.”
O referendo deste fim-de-semana na Crimeia irá, pois, suscitar muitas notícias sobre sanções à Rússia, mas a realidade não tardará a fazer emergir o essencial: “É preciso lembrar que os interesses americanos e europeus neste domínio não são idênticos. O comércio entre a União Europeia e a Rússia é 11 vezes maior do que o comércio com os EUA. A Alemanha tem 6 mil empresas implicadas com a Rússia e há a dependência em relação ao gás. A Grã-Bretanha tem a City e, se as sanções passarem pelo congelamento dos bens financeiros dos oligarcas, haverá uma enorme resistência. Cada país tem os seus problemas. Os polacos, pelo contrário, querem sanções mais firmes. É muito difícil ter uma política unida nesta matéria. A Itália, por exemplo, está muito reticente.”
A exemplo de Napoleão e de Hitler os dirigentes europeus provocaram o enorme vizinho oriental e estão mais ou menos como o primeiro após a Batalha de Borodino. Aparentemente têm mais forças no terreno, mas o tempo corre em seu desfavor. E, se não recuam rapidamente para atravessar o rio Berezina, e optarem pela diplomacia mais respeitadora dos interesses estratégicos russos, arriscam-se a conhecer a sorte dos nazis em Estalinegrado.
Mas uma vez mais, durão barroso e os atuais dirigentes dos países da União demonstraram a sua pequenez estratégica...
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