segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

TEATRO: “Por causa da muralha, nem sempre se consegue ver a lua”, peça no Teatro Meridional


Não é peça para quem gosta daquelas coisas, que tiveram o seu tempo num passado remoto e que se podem definir como ruycarvalhices ou eunicemunozices.  Até porque não estamos aqui no domínio da palavra, mas da gestualidade dos corpos, dos rostos, dos adereços  e dos sons musicais.  Mas, também nada tem a ver com as acefálicas produções do laféria.
Começou por se tratar de um trabalho para a Guimarães Capital da Cultura, mas não será fácil identificar ali as conotações com a cidade-berço (embora lá estejam sem margem para dúvidas!). E , comandados por Miguel Seabra os seis atores criaram coletivamente este espetáculo, que não se restringe ao conceito canónico de teatro. Porque há dança, canto e tudo quanto justifica o conceito mais amplo de performance.
De início não é fácil encontrar as pistas para entender a razão de ser da  movimentação em palco. Mas depressa lá chegamos, nós que nos vemos convidados a criar a sua textualidade conjuntamente com os atores. Que nos mostram um quotidiano marcado pelas rotinas, pelas cadências das linhas de produção, pela escassez de disponibilidades para os afetos,. E com tanta coisa para nos distraírem a todos do essencial: religiões, modas, futebóis e outros poderosos argumentos consumistas. Tudo com adereços básicos (cadeiras, bancos, tapetes), porque para criar grande teatro não é necessário um dispendioso guarda-roupa, nem cenografias de encher o olho. Basta muita imaginação e capacidade para sugerir propostas de leitura.
Às tantas uma das atrizes comenta: «não passamos uns pelos outros, trespassamo-nos!». Porque não há oportunidade para nos encontrarmos, já que o desencontro é continuamente alimentado pelas muralhas levantadas individualmente à nossa volta e à dos outros. Impedindo-nos de ver a lua, sinónimo poético da felicidade a que todos aspiramos e que deveria  constituir um imperativo social .
Porque quem impõe essas muralhas «não respeita nada, nem ninguém». E é imperioso, que isso termine.
«Não passarão!», comentara o próprio Miguel Seabra à entrada, antes de entrarmos na sala. E esses poderosos inimigos a que nos devemos opor  - chamem-se troikas, governos ilegítimos, banca financeira ou quem mais assenta o seu poder e fortuna a querer-nos presos nos nossos impotentes microterritórios individuais - não nos podem impedir de dar as mãos, juntar as vozes e voltar a inundar as avenidas com a pujança do 15 de setembro.
E saímos da acolhedora sala do Poço do Bispo a ganharmos acrescidas certezas de como é possível um outro mundo, mais decente, em que ver a Lua se torne enfim possível...

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