terça-feira, 29 de janeiro de 2013

LIVRO: «O Cemitério dos Barcos Sem Nome» de Arturo Perez Reverte



Há alturas em que se justifica a facilidade de recorrer à tal «literatura de aeroporto», que se lê com a mesma descontração com que se masca pastilha elástica.
Não tem presunção de grande literatura, mas surge bem escrita, com uma história bem articulada e a fazer passar uns bons momentos.
Como nunca – afianço que NUNCA! - lerei José Rodrigues dos Santos, nem sequer para dar satisfação ás almas piedosas, que só consideram legítimas as opiniões sobre escritores (ou escrevinhadores?) quando os lemos, num desses momentos de cedência à facilidade optei por um romance já com uns bons anos em cima (foi publicado em 2000), escrito pelo espanhol Arturo Perez Reverte. «La Carta Esférica» ou, na sua tradução lusa, «O Cemitério dos Barcos Sem Nome».
Um romance de aventuras, pois! Com o aliciante de ter por protagonista um desses marinheiros que perdeu as graças do mar e as procura reaver nem que seja através da busca submarina de um tesouro enterrado ao largo do  Cabo Palos.
Coy é o protagonista: não estivesse ele de quarto, quando o navio aonde era oficial, encalhou num rochedo no meio do Índico e não estaria desempregado em Barcelona no dia em que, num leilão, assistiu à licitação da carta de Urrutia, um dos documentos cartográficos de maior valia para os apreciadores dessa nobre arte marítima.
Tânger Soto, técnica do Museu Naval de Madrid, e Nino Palermo, um pouco escrupuloso caçador de tesouros marítimos, vão lançando sucessivas ofertas até ela ficar legítima possuidora de um documento essencial para partir em busca dos destroços do «Dei Gloria», navio fretado pelos jesuítas em 1767 para vir da América do Sul com um importante tesouro em esmeraldas e afundado nas águas mediterrânicas na sequência de uma funesta batalha com corsários ingleses.
Depressa Coy se faz guarda-costas e assessor de Tânger, que vai procurar à instituição aonde ela trabalha. Daí para diante, e como num bom romance de ação, ele conhecerá os efeitos de quem vai à guerra: dá e leva arraiais de pancadaria.
Os maus da fita são, obviamente, os sicários de Nino Palermo, que não desiste assim tão facilmente de se associar aos lucros do negócio. E um desses trastes é mesmo ruim como as cobras: Nestor Kiskoros anda fugido da sua Argentina natal aonde exercitara os seus dotes de crápula sobre os prisioneiros políticos, que lhe tinham passado ao alcance na sinistra Escuela de los Mecanicos de la Armada de Buenos Aires.
Mas, mais do que a possível fortuna, Coy encontra motivo mais aliciante para se meter a fundo naquela aventura: Era ela, a sua obstinação, a sua busca, tudo o que estava disposta a empreender por um sonho e que o mantinha no rumo certo, apesar de ouvir o inequívoco rumor do mar nas rochas perigosamente próximas. (pág. 193 da ed. portuguesa).
Traduzindo em miúdos: ele pela-se por vir a descobrir, uma a uma, as milhentas sardas de que o corpo de Tânger parece ser coberto. E com a mais devotada atenção…
A oportunidade surgir-lhe-á nas semanas seguintes passadas a vasculhar os fundos da zona marítima demarcada na carta em causa a partir de um barco de apoio, que lhes serve de hotel flutuante: o «Carpanta», propriedade de um amigo do próprio Coy.
Os episódios vão-se sucedendo, quer no mar, quer em terra, com o fracasso a adivinhar-se até quase ao último momento, altura em que do lodo surge um vestígio da âncora almejada. Com todos os restantes destroços ali à volta.
A partir daí ocorre o expectável (novo confronto com Palermo e seus muchachos) e o fator surpresa, que Reverte não deixa de introduzir, quando já era lícito fechar o livro e passar a outra distração:  as aparências afinal iludem e Tânger preparava-se para passar a perna aos sócios e aos rivais, ficando com a fortuna só para si.
É o típico final à sierra madre, versão hustoniana na variante camiliana: Tânger e Nino matam-se um ao outro, depois dela já ter despachado o argentino, que era afinal agente duplo a seu soldo.
Coy não ilude a sentida tristeza, quando vê o navio, aonde ela planeara fugir em direção a Antuérpia, largar cabos e zarpar do cais.
Concluída a leitura o que fica? Talvez um melhor conhecimento de como os jesuítas foram ilegalizados na Espanha do século XVII por causa do seu poder político e económico crescente. E de como procuraram, em vão, evitar os efeitos da cólera real…
Ademais fica o prazer de umas horas de leitura sem pensar em gaspares, relvas e outros tunantes que tais!

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