quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

FILME: «Os Descendentes» de Alexander Payne




Desde «Sideways», que tenho assumido uma apreciação muito positiva sobre os filmes de Alexander Payne. Porque parte de histórias mais ou menos convencionais, que têm dado azo a muitas fitas hollywoodianas plenas de estereótipos, e consegue complexificá-las, conferindo-lhes textura bastante para as sentirmos apresentadas de forma diferente.
Em «Os Descendentes» isso volta a acontecer: há um homem de meia idade, que se sabe muito distanciado da mulher e das filhas. Quando Elizabeth sofre um acidente muito grave, que a põe em coma irreversível, e Matt fica a saber pela primogénita, que ela o traía, o personagem interpretado por George Clooney passa por um processo de reinvenção pessoal. Porque, para além de lançar as pontes adequadas para a comunicação com as raparigas, ele consegue pacificar suficientemente a quebra de autoestima, recuperando a empatia possível com a mãe das suas filhas.
De permeio temos direito a cenas surpreendentes, que ora nos fazem sorrir, ora reequacionar a lógica para que julgávamos estar a ser condicionados e se revela bastante diferente da esperada. Acrescentando-se esses secundários, que escapam à banalidade, como o são o amigo de Alexandra (a tal primogénita), que os acompanha por todo o lado; o sogro sempre apostado em culpabilizá-lo pela infelicidade ocorrida à filha; o rival  envolvido numa relação não só sexual, mas também destinada a capitalizar a aproximação ao responsável por um negócio imobiliário, mais do que muito prometedor; ou a mulher desse rival, que acaba por perceber a traição de que (também) fora alvo e não se exime de vir insultar a moribunda no seu leito de morte.
Mas o próprio discurso com que o filme começa aponta para a diferença em relação ao trivial, porque anunciando o cenário havaiano, dá dele a perspetiva avessa à típica expectativa de virmos a encontrar postais ilustrados em vez da escorreita fotografia com que a história evolui.
Parece que há muita gente que, face a esta diferença da rotina, se apressa a promover Alexander Payne à condição de génio. Mas não é caso para tanto. Como dizia um crítico na altura da estreia do filme entre nós, os filmes de Hollywood deveriam ser todos assim: inteligentes, bem feitos e capazes de não nos tratarem como débeis mentais. Mas isso seria pedir muito a uma indústria, que continua a capitalizar os lucros de uma acefalia juvenil, moldada por canais destinados a estreitar-lhes os pontos de vista à lógica das pipocas e da coca cola.
Mas num tempo em que o consumismo exacerbado dos últimos anos está a dar lugar á mais ou menos complicada gestão das privações, também será de prever algumas mudanças nos tempos vindouros...

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