Tem o seu quê de absurda a pertinência do pseudo-relatório do FMI no quotidiano mediático desta pretérita quarta-feira.
Sendo tão evidente a fraude, que lhe subjaz, a sensatez dos meios de comunicação mandaria atirá-lo para o caixote do lixo como coisa sem nexo, incapaz de servir de algum préstimo.
Mas, como obviamente, os mesmos meios de comunicação têm como donos os belmiros, os vasconcelos, os oliveiras, a coligação covina/angola e outros que tais, vimo-nos condenados a ouvir perorar continuamente sobre os seus conteúdos. Tanto mais que, como Daniel Oliveira recorda no Expresso Online a tática é sempre o mesmo: anunciar o intolerável para avançar com o inaceitável. Em nenhum momento há um verdadeiro processo de negociação. Em nenhum momento o governo realmente cede a alguma coisa. Em nenhum momento há a tentativa de encontrar soluções sensatas. Há um truque, sempre o mesmo truque.
É precisamente nessa estratégia mediática que o (des)governo aposta: distanciar-se dele tanto quanto possível, diabolizando-se se necessário, para conseguir implementar o que se tornar politicamente viável. É o esticar a corda até um bocadinho antes de partir, num ato de cobardia, que Sérgio Lavos denuncia no Arrastão: Um relatório tão denodadamente ideológico nos seus pressupostos, oportunista na forma como retoma ideias chave que ao longo dos últimos meses foram sendo repetidas por vários governantes, incompetente na maioria da argumentação desenvolvida e manifestamente desonesto e mentiroso em vários documentos anexados (os que serviram de base de estudo para a elaboração dos cortes), só poderia ser da competência quase exclusiva deste Governo.
Mais: o relatório é a cara do Governo e a demarcação que está a ser feita do mesmo um incrível ato de cobardia política.
Mas o problema que se coloca a passos & companhia é a realidade tal qual vai sendo retratada pelas mais variadas fontes. Basta olhar à nossa volta para concluirmos como a realidade económica nacional se tornou trágica apenas ano e meio depois desta coligação chegar ao pote a prometer mundos e fundos. Como resume André Macedo no Diário de Notícias a procura interna está de rastos, cairá pelo menos 17% entre 2009 e 2013. No mesmo período, o investimento cairá 36%.
Nunca na história recente de Portugal o investimento se despenhou tanto e tão depressa. O dinheiro sumiu-se, foi-se, desapareceu. Não há crédito, exceto para as grandes empresas - e, mesmo esse, caríssimo. Não há consumo, não há expectativas, não há confiança, o desemprego vai loucamente a caminho dos 17%. Não há negócio que aguente ou que possa nascer neste ambiente de permanente hostilidade fiscal.
No i, Pedro Nuno Santos resume, igualmente, de forma eloquente o miserável estado a que a austeridade nos condenou: a austeridade mingou a capacidade da nossa economia de criar riqueza e agora a solução que apresentam é mingar o Estado social até ele caber nessa economia encolhida.
Acontece que o corte nas despesas sociais não é menos austeridade. Se os portugueses pagarem mais no acesso aos serviços públicos vão ter menos rendimento disponível.
Assim, uma reforma como a que o governo e o FMI querem fazer em vez de tornar o Estado social – que sobreviver aos cortes – sustentável só vai agravar a espiral recessiva, destruir mais economia e obrigar a ainda mais cortes no futuro.
É uma corrida descontrolada para o fundo. Uma economia estrangulada pela austeridade e pelo peso da dívida não consegue crescer nem garantir o financiamento das funções sociais do Estado.
Tenho-me aqui manifestado contra o pessimismo de Baptista Bastos, no Diário de Notícias, quase não dando margem a qualquer redenção: raramente fomos felizes, e a nossa literatura é um desfile de grandes angústias. Porém, sempre obtivemos uma certa independência, caracterizada por compromissos políticos e sociais. Desta vez, o ciclo é mais pesado e trágico. Constitui a expulsão de um todo: físico, espiritual, cultural e moral, como se poderosa amnésia se houvesse abatido nesses modos de entidade. Ser português, para estes senhores da "nova" ideologia, tornou-se num quase pecado que terá de ser punido com rude severidade.
Mas quero acreditar que o autor de «O Secreto Adeus» está enganado quanto à pusilanimidade em que os portugueses parecem enclausurados. Como dizia o Daniel Filipe, depois do sofrimento chegará sempre a janela aberta, a janela iluminada...
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