Uma nova edição do «Quarteto de Alexandria» acaba de surgir nas prateleiras das livrarias num volume com mais de mil páginas, que congrega os quatro míticos romances tão incensados nas décadas transatas. Durrell conta a mesma história por quatro vezes, com os mesmos factos vividos por quatro personagens nessa capital da memória, que é a Alexandria durante os anos 50. Aqui se discorre sobre a existência, o que é ser-se ou estar-se num sítio e como esse sítio molda, sujeita o que cada um é.
O que somos pouco o devemos à nossa identidade, que é muito condicionada por tudo quanto vemos ou sentimos. Não existe qualquer alma individual resultante de uma qualquer referência inata. Os genes podem-nos moldar os traços fisionómicos, o grupo sanguíneo, e até algumas formas de comportamento. Mas é o espírito do lugar, que acaba por nos transformar em quem somos.
Vivêssemos noutra era ou noutra geografia e seríamos outras pessoas, eis o que fica subjacente às posições defendidas pelo escritor.
Durrell alimentara a ideia durante quinze anos, enquanto permanecia escritor persistente, mas de talento às avessas, depois de ter vindo de Darjeeling, aonde nascera em 1912 para fracassar nos estudos universitários na Inglaterra de entre as duas guerras.
Começou por congeminar o conceito de um lugar para onde confluem as metafísicas orientais e ocidentais. Uma geografia aonde se impõe a posição que uma pessoa ocupa num lugar e o modo como o espírito desse lugar num determinado tempo a contamina. A conclusão fica sintetizada numa frase inserida num dos quatro romances: O Homem não passa duma extensão do espírito do lugar. Ou, de forma mais exaustiva, noutro trecho elucidativo: Nós vivemos (…) vidas baseadas sobre uma seleção de ficções. A nossa perspetiva da realidade é condicionada pela nossa posição no espaço e no tempo - não pela nossa personalidade como geralmente se crê. Assim, cada interpretação da realidade baseia-se sobre uma posição única. Dois passos para leste ou para oeste e o quadro muda inteiramente.
Como conclui Isabel Lucas, num artigo do Ipsilon, em que nos vimos baseando, os temas da tetralogia são o amor, a morte, a violência, as virtudes, a espionagem, a política, a arte, a existência. São os temas e as personagens encontradas “reais ou inventadas”, uma espécie de estereótipos cheios disso a que se chama alma e que na literatura funciona para o leitor como carne. Carne e osso. Pelos diálogos, pelas hesitações, os medos , a culpa e a espera do castigo, o amor que não cega, mas sim o ciúme. Ensaio sobre o amor moderno.
Mudar a nossa cinzenta realidade implica pois alterar por completo esse tal espírito do espaço em que vivemos. Porque assim ajustemos o nosso contexto á primazia dos valores da solidariedade, da justiça e da igualdade e teremos condições para os vincular coletivamente à maioria dos que a eles aspiram...
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