No artigo hoje publicado no «Diário Económico» João Cardoso Rosas considera que a estratégia de marketing do governo tem sido bem sucedida, quando se trata de culpabilizar os portugueses pelos seus supostos desvarios consumistas em passado recente: Os portugueses são culpados porque se endividaram, compraram casa e carro, quiseram comer bife em vez de batatas. Os trabalhadores por conta de outrem são especialmente culpados porque ficaram parados nos seus postos de trabalho, inamovíveis, difíceis de despedir. Os funcionários públicos são ainda mais culpados porque são eles os responsáveis pela despesa pública. Por isso é necessário tornar precário o trabalho em geral e o da função pública em particular, assim como diminuir salários e regalias.
Embora ainda se vão detetando alguns ingénuos capazes de aceitarem tal tipo de discurso e interioriza-lo numa espécie de síndroma de Estocolmo não estou assim tão convencido quanto a tão alargada crença. Sobretudo, quando se vão sabendo de exemplos tão evidentes de contenção de despesas e de exemplo de sobriedade como o foram as férias de passagem de ano de Miguel Relvas, Dias Loureiro e António Arnaut num dos mais luxuosos hotéis do Rio de Janeiro.
Esta gente denota tal despudor e obscena demonstração de valores éticos, que quase nos dá vontade reconhecer plena razão ao que Baptista Bastos publicou no «Diário de Notícias»: A regressão a que Pedro Passos Coelho nos obrigou contém uma incerteza dramática, que o atinge, atingindo-nos cruelmente. Ele abriu a caixa de Pandora e, agora, não sabe como fechá-la. É um tonto perigosíssimo. Arruinou a pátria, não somente a pátria política, social e económica mas, sobretudo, a pátria moral.
Vale-nos o otimismo de quantos acreditam numa outra possibilidade a curto prazo e bem expressa por João Pinto e Castro no «Jugular»: Só um cego não se apercebe da crescente hostilidade da rua não só contra o governo, os partidos e os políticos, mas também contra os poderosos em geral. Prevalecendo o protesto inorgânico, cada vez mais desenquadrado das forças políticas, sindicais ou outras, a imprevisibilidade aumenta.
Ninguém sabe quando, onde e como o descontentamento espontâneo se manifestará. Ele espalha-se silenciosamente como uma epidemia, minando a confiança nas pessoas e nas instituições, pondo em causa comportamentos estabelecidos que sustentam a convivência civilizada e, a pouco e pouco, reforçando a crença no salve-se quem puder.
A reacção desesperada que inevitavelmente ocorrerá poderá ser mais ou menos visível, mais ou menos espectacular, mais ou menos violenta. Uma coisa me parece certa: as classes dirigentes irão ter saudades do tempo da contestação ordeira a que se habituaram nas últimas décadas.
Nessa altura de pouco servirá ao inquilino de Belém a invocação do consenso social: é que, quando a noção de compromisso com os parceiros fica exemplificada na proposta de lei sobre as indemnizações em caso de despedimento contra tudo quanto acordara com a UGT, é passos e companhia quem semeiam os ventos, que lhes fustigarão o lombo sob a forma de imprevisíveis tempestades!
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