Não vale a pena abordar os atentados de Bruxelas se for para repetir as banalidades, que tantos proferem nestas alturas, como se ainda sobrassem palavras para exprimir emotivamente o horror de ver pessoas estraçalhadas por escolha aleatória dos seus assassinos.
Uma das imagens mais impressionantes transmitidas nas televisões foi a de dois carros de bebés na zona devastada do check in onde ocorreu a primeira explosão. A exemplo do que Eisenstein mostrara na escadaria de Odessa em «Couraçado de Potemkin», mesmo sem sabermos o que aconteceu às crianças a sugestão de ali estarem naquele momento transporta-nos, inevitavelmente, para a «Balada de Neve» de Augusto Gil, quando ele se insurge contra tamanha injustiça:
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
Das explicações emitidas para a exposição europeia a sucessivos atentados nenhuma delas coincidiu com aquilo que Saramago escreveu sobre as religiões. Houvesse a convicção coletiva de todas as religiões corresponderem ao que Marx considerou como o ópio do povo e não serviriam de alibi para tantas tragédias se repetirem em quase todos os continentes. Para o nosso Nobel da Literatura
as religiões nunca serviram para aproximar os seres humanos. As religiões serviram sempre para dividir. A história de uma religião é sempre uma história do sofrimento que se inflige, que se autoinflige ou se inflige aos seguidores de outra e qualquer religião. E isto parece-me de tal modo absurdo que creio mesmo que o lugar do absurdo é por excelência a religião.
É claro que se trouxermos de novo Marx à colação, a realidade terrorista tem tudo a ver com a luta de classes. Os recrutadores dos desesperados que se aprestam a suicidar-se, levando consigo tantos inocentes, encontram candidatos numa conjuntura em que o desemprego grassa entre os jovens e ainda com maior dimensão junto dos que guetizados em zonas desfavorecidas das grandes cidades, não conseguem grandes qualificações académicas nem competências profissionais. Com a sociedade de consumo a ostentar tantos bens apetecíveis, quem se espantará com a sua opção pela delinquência, primeiro, e pelo fanatismo religioso depois?
Mas o aproveitamento desta autêntica carne para canhão é garantida por quem assume uma visão fascista da realidade e essa é a que os Estados Unidos e a Europa tardam em assumir. Depois de terem cuidado de derrubar os ditadores do Médio Oriente, que defendiam uma clara separação entre o Estado e a religião, e respeitavam as crenças diferenciadas dos seus cidadãos - veja-se como Assad continua a ser mais diabolizado nos meios de comunicação ocidentais do que a clique que reina na Arábia Saudita, o emir do Qatar ou o atual presidente da Turquia, todos eles financiadores, ou pelo menos facilitadores da atividade do Daesh - os nossos dirigentes ocidentais parecem baratas tontas sem estratégias eficazes para algo que os supera.
Embora António Costa tenha razão em dizer que a luta contra o terrorismo é um objetivo de longo prazo, que não pode compadecer-se com reações extemporâneas aos atentados odiosos do momento, muito se avançaria se a comunidade das nações execrasse os países, que impõem aos seus povos uma visão totalitária da realidade em nome de um livro, que não comporta nenhuma verdade absoluta e mais faria sentido ser lido numa perspetiva histórica.
A grande aliança antifascista, que conduziu ao derrube de Hitler, de Mussolini e da corte mais próxima de Hirohito, deveria ser retomada em nome dos princípios republicanos definidos pelo Iluminismo oitocentista. Desta feita para combater uma forma de fascismo que do Iraque à Síria, da Costa do Marfim à Nigéria e da França à Bélgica, tem revelado uma barbárie que nada deve à dos que foram executados no julgamento de Nuremberga.
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