Há políticos que lembram aqueles embrulhos muito vistosos com caixas inseridas umas nas outras, que se vão sucessivamente abrindo até se concluir nada haver senão um enorme vazio, quando se chega à última. O novo Presidente da República é um exemplo lapidar dessa capacidade para esconder a inexistência de propostas para o futuro do país através do recurso de habilidades circenses, que servem para entusiasmar os mais bacocos.
Foi assim durante toda a campanha eleitoral - e por isso foi claramente derrotado no confronto televisivo com Sampaio da Nóvoa! - e assim continua quando decide chegar pelo seu pé à cerimónia da tomada de posse na Assembleia da República. É óbvio que o país não progride nem regride com esse tipo de folclore, mas há quem ache graça ao figurão. Para breve já anunciou a “novidade” de comemorar o 10 de junho em Paris, o que já levou alguém a prever uma cerimónia de estilo «maison».
Não era este espetáculo de entretenimento, que gostaria de ver no Palácio de Belém. Ele até pode vir a revelar-se relativamente benigno para o governo de António Costa, se o talento e as circunstâncias o ajudarem a desmentir todas as sibilas, que adivinham raios e coriscos a curto prazo, mas também de pouco adiantará para que sejam cumpridos os objetivos ambiciosos enunciados na Agenda para a Década.
Vaidoso como é, e sobretudo disposto a chegar ao fim do mandato numa situação de popularidade oposta à do predecessor, Marcelo encontrará sempre maneira de atrair a si a comunicação social com formas imaginativas de ficar bem em cada retrato, mas não mexerá uma palha para que o país progrida onde mais importa: na Inovação, na Investigação e no Conhecimento.
Põe-se, pois, a questão: e se tivesse sido Sampaio da Nóvoa a ser hoje empossado como novo titular da mais alta função do Estado? Usando uma metáfora teríamos duas locomotivas a puxar pelas diversas carruagens, que simbolizam o país, aproximando-o com muito maior elã daquele que pretendemos criar. Ora, com Marcelo só teremos a locomotiva arduamente conduzida por António Costa, seguindo a do inquilino de Belém na retaguarda, com as caldeiras a apenas produzir fumo para parecer que anda mesmo limitando-se a ser rebocada.
Quando surgiu a candidatura de Sampaio da Nóvoa, ainda os saudosos do segurismo não tinham convencido Maria de Belém a prestar-se à triste figura que foi a sua durante todo o processo eleitoral concluído em 24 de janeiro.
Acaso o ex-reitor da Universidade de Lisboa não contasse com esse obstáculo e teria tido a seu lado toda a organização do Partido Socialista, que o manteria em percentagens acima dos 30% nas sondagens. Em vez de meios irrisórios, muito baseados na carolice e no entusiasmo de quantos participaram no SNAP, a candidatura teria apresentado outra capacidade para suscitar uma maior penetração no eleitorado, quer em notoriedade, quer em transmissão dos seus valores. A passagem à segunda volta teria sido um facto e no taco-a-taco argumentativo de novos debates concluir-se-ia quem tinha substância e quem se limitava a ser uma forma mais ou menos sem nada por dentro.
É por isso que, mês e meio depois da terceira derrota consecutiva do Partido Socialista nas presidenciais não consigo perdoar aos que trataram de impedir a alavancagem de todo o potencial contido na candidatura de Sampaio da Nóvoa. Porque conhecendo bem a personalidade dúbia da ex-presidente do partido, como se atreveram a pensar na sua capacidade para ser quem ela nunca conseguiria sequer aparentar: uma personalidade credível para tais funções?
Mas, se não esqueço o apoio indireto que os órfãos do segurismo deram a Marcelo Rebelo de Sousa, também não aceito a passividade de muitos militantes com responsabilidades e autoproclamados apoiantes da atual Direção, que arranjaram os mais estafados argumentos para quase não comparecerem nas ações de rua de apoio ao candidato. Uma ou outra vez marcaram o ponto num jantar, aqui e além compareceram episodicamente nas quase quotidianas ações de rua, mas durante os meses de pré-campanha e de campanha oficial deixaram-se ficar a recato das multidões, sempre preparados para aparecerem se a probabilidade de vitória se acentuasse. Por isso mesmo, logo a seguir ao debate televisivo, em que se perspetivou a hipótese de uma vitória, ei-los a surgir inopinadamente a fazerem-se ao retrato não fosse o comboio da História ser mesmo aquele e ficarem subitamente esquecidos na estação.
A muitos deles disse que a atitude perante a candidatura de Sampaio da Nóvoa servia de pedra-de-toque para ver quem era pelo Tempo Novo e quem o não era. Quem apoiava verdadeiramente António Costa, que bem merecia tal parceiro em Belém, e quem apenas está a fazer jogos de cálculo para saber se este governo falha e podem garantir os seus lugarzinhos ao sol nos órgãos locais ou distritais de uma eventual nova liderança.
Acabada a festa o resultado ficou à vista: os que mais se tinham empenhado por um projeto, que constituía apenas uma etapa na dificultosa contenda por algo de verdadeiramente novo no futuro do país, ficaram a falar sozinhos enquanto os suspeitos do costume dividiam entre si os lugares disponíveis para manterem o rame-rame em que se sentem confortáveis. Novas ideias e métodos de trabalho, formas mais imaginativas de assegurar a adesão de mais simpatizantes e de agitar as consciências dos absentistas militantes, assustaram demasiado os que querem que tudo fique na mesma.
Como em certas histórias do romantismo gótico já estão politicamente mortos, mas houve quem se esquecesse de tal os avisar...
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