segunda-feira, 21 de março de 2016

Será mesmo imperioso reestruturar a dívida?

Compreende-se que Passos Coelho esteja nervoso com a capacidade de intervenção do governo na mediação de alguns impasses existentes no sistema bancário português. É que, mesmo eventualmente sem ter disso consciência, o líder do PSD sabe que o seu abono de família é um sistema financeiro em crise, que justifique a reversão de tudo quanto António Costa já impôs ás suas políticas, quebrando-lhe a espinha da sua tenebrosa coerência. Por isso volta a desejar tão explicitamente um novo resgate e a intervenção das instâncias troikeiras que lhe deem respaldo ao seu sinistro projeto de transformação do país.
Se, a curto prazo, ficarem resolvidos alguns dos principais óbices a uma facilitação da abertura de crédito à economia, Passos Coelho arrisca-se a ver os eleitores compreenderem que outra política era possível para superar a crise internacional de 2008 e grande parte dos cortes impostos aos portugueses não se justificavam a não ser por preconceito ideológico. Daí a tornar o seu partido irrelevante na direita do hemiciclo vai um ápice.
Mas a médio e longo prazo a questão será bem mais complicada de resolver para o primeiro-ministro como se depreende do livro de Nuno Teles, João Rodrigues e Ana Cordeiro Santos, “A Financeirização do Capitalismo em Portugal”, cujos pressupostos foram objeto de uma entrevista de Sérgio Aníbal com um deles na edição de hoje do «Público».
Para Nuno Teles não bastará uma melhor supervisão e regulação da banca em Portugal para resolver o problema suscitado pelo peso excessivo do setor financeiro na economia portuguesa das últimas décadas. Ao contrário do que Passos Coelho defende, o Estado tem de meter efetivamente as mãos na massa para contarmos com um sistema financeiro  mais simples, pequeno e eficiente.
Segundo o investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra isso só se torna possível com a reestruturação da dívida, que se tornou insustentável devido ao que os autores designam como tendo disso um processo de financeirização semiperiférica ocorrida durante os anos 90 e muito particularmente na época do cavaquismo de que constitui efeito incontornável. Quando ainda há quem se atreva a louvar os méritos do economista, que acabou de deixar as funções presidenciais, esquece ou quer esquecer quem foi o grande responsável pelo modelo de endividamento externo por ele promovido e que tinha toda a obrigação de prever onde iria redundar.
Diz Nuno Teles: “Ao contrário de países periféricos, conseguimos endividar-nos a um preço muito baixo e quase sem limite quantitativo. Isto aparentemente poderia ter sido uma oportunidade, mas transformou-se num lastro para a economia portuguesa desde 2001. E, depois, com a crise financeira internacional, há uma fuga de capitais. E a dívida não desapareceu.”
A reestruturação da dívida é um imperativo da situação a que chegámos por muito que, politicamente, ainda seja assunto tabu para discutir com as instituições europeias. E ela exigirá, igualmente, o controlo de capitais e a soberania monetária. O que equivale a dizer a saída do euro, mesmo que se trate de “uma condição necessária, embora não suficiente para  mudar a estrutura da economia portuguesa”.
Faltará, então, reconvertê-la de forma a favorecer os setores capazes de substituírem as importações e integrarem um modelo de crescimento mais equilibrado do que o conhecido até aqui.


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