O que exaspera a direita é a consistência da atual maioria governamental, que não dá mostras de tremelicar como previam os inventores da expressão «geringonça«. Quer da parte do PCP, quer dos Verdes, quer do Bloco de Esquerda, repetem-se declarações quanto à perspetiva de um acordo duradouro, que abranja toda a legislatura.
É isso mesmo que Mariana Mortágua diz na sua entrevista de hoje ao «Público» em que dá conta dessa ilação intuída cada vez mais pela grande maioria dos portugueses: “Hoje em dia começa a haver a perceção que este acordo é estável, sólido e, independentemente de haver diferentes posições, não está sempre tudo em causa, a cada momento, mesmo que pensemos de forma diferente”.
Toda a esquerda tem a consciência da necessidade de dar uma resposta firme à mudança de paradigma, que a direita estava a querer impor no imaginário português com o recurso a uma novilíngua capaz de incrustar no imaginário da população um conjunto de valores e conceitos, que só a ela interessava disseminar. É isso que Mariana Mortágua reconhece nessa mesma entrevista: “Estava a haver uma mudança de regime, a propagar-se de tal forma que já era aceite como a nova e única normalidade. Este Governo permitiu oxigenar a nossa democracia. Reintroduzir conceitos que, no debate político, tinham desaparecido. Houve uma lavagem cerebral, cultural, social muito forte.”
É por isso que a aprovação do Orçamento não se justifica apenas como instrumento para melhorar a vida dos mais desfavorecidos, mas também para recuperar alguns dos mais relevantes valores democráticos: “ A importância deste Orçamento não é só a de repor rendimentos e começar a ser uma reposição da normalidade, da nossa Constituição, tentar recuperar direitos que estavam perdidos, que corriam o risco de ser esquecidos na história, de tirar gente da pobreza, porque vai tirar gente da pobreza. Permitiu--nos lembrar que ainda vivemos numa espécie de democracia em que é possível novos discursos.”
É por isso mesmo que Mariana Mortágua reconhece a forte probabilidade de um futuro mais risonho: “Permitiu a muita gente ter esperança, uma abertura que fosse às reivindicações sociais, criar um novo ciclo de mobilização social, de esperança no futuro. Isso é importante, se queremos fazer algo de diferente e de melhor ainda para a frente.”
E, porque já é uma das economistas mais promissoras da nova geração, faz todo o sentido o que ela diz a respeito da necessidade de agir eficazmente sobre o sistema bancário nacional: “Assistimos, nas negociações do Orçamento, a uma pequena amostra do que é a pressão europeia e aquilo a que assistimos foi feio. Foi a Comissão Europeia a pôr notícias diretamente nos jornais para pressionar o Governo português em Portugal. Aquilo a que assistimos são argumentos que mudam conforme os dias e argumentos técnicos que são manipulados para conseguir um fim político se reconhecêssemos no balanço dos bancos, o real valor dos seus ativos, todos estavam falidos. A banca é um bem público. Só há duas formas de resolver o problema. Ou há uma limpeza, o que implica perdas e recapitalizações. Ou o sistema financeiro é salvo — é disso que muita gente está à espera — por uma nova bolha especulativa. Mas vai ser outra vez salvo de forma fictícia, porque a economia está estagnada. Temos de perceber o que fazer de um sistema bancário que não só se tornou inútil, como um problema para a economia. Este é o debate que se está a ter internacionalmente.
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