Todos conhecemos a história do rei que ia nu. Todos assim o viam e ninguém o comentava até que a inocente criança deixou todos em suspenso ao verbalizar o que todos sabiam.
O que se passou com a bastonária da Ordem dos Enfermeiros lembra inevitavelmente essa história: ela traduziu em palavras o que há muito se sabe pelas mais variadas formas, mas permanece hipocritamente silenciado.
E, pela segunda vez em poucos dias, lá vieram as virgens ofendidas defender a sua honra supostamente posta em causa, depois de, pelo mesmo processo inquisitorial, quase se ter pedido o fogo da Inquisição para os responsáveis pelo cartaz do Bloco de Esquerda sobre a paternidade modernaça de Jesus.
Mal vai a esquerda, quando se deixa intimidar pela verborreia acintosa da direita. Nesse sentido Alfredo Barroso, que foi um dos poucos a levantar a voz em defesa do direito à liberdade de expressão, colocou a questão nos seus devidos termos. É que, em vez de se deixar acobardar a esquerda tem de ripostar com igual ou ainda maior determinação: porque é que os católicos se ofenderão com um cartaz, que traduz a veracidade bíblica? Será que a ofensa é da generalidade dos crentes dessa religião ou eles estão a ser manipulados pela Conferência Episcopal e por alguns deputados do CDS para se sentirem ofendidos?
Da mesma maneira, quando é que se acaba com a mistificação de serem os cuidados paliativos a solução miraculosa para que se justifique prolongar o sofrimento de alguém? Seremos surdos aos ais desesperados dos que, nos quartos dos hospitais, sofrem dolorosamente e só imploram por quem lhes alivie de vez essa tortura? Será que as famílias deverão estar condenadas a verem a deterioração progressiva dos que amam sem nada poderem fazer?
A direita e os interesses corporativos da medicina privada estão interessados em prolongar ao máximo a precária sobrevivência dos doentes terminais: interiorizaram a tal ponto a defesa da Saúde como um negócio, onde imposta obter tanto lucro quanto possível, que a obrigatoriedade desses cuidados paliativos surge como uma parcela não negligenciável dos seus rendimentos.
Se eu me vir acometido de uma doença incurável, que implique um fim de vida marcado pelo sofrimento e pela degradação física, que direito tem a sociedade em privar-me do direito a uma morte assistida? Quem dá a outrem a decisão sobre se devo viver ou se devo morrer’ Quem é afinal o dono do meu próprio corpo?
Compreende-se o sururu causado pelas palavras da bastonária dos Enfermeiros: é que os defensores do statu quo sabem perdida de antemão a guerra em que se meteram, mas mostram-se dispostos a vender cara a derrota em cada batalha. Por isso viram nas declarações dela a oportunidade para travarem um processo, que seguirá o seu curso natural com um ou outro abrandamento momentâneo.
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