É bom que nos lembremos de um facto muito esquecido por estes dias: o Orçamento hoje aprovado na Assembleia da República por toda a esquerda parlamentar já deveria ter conhecido tal resultado em Outubro transato se Cavaco Silva não tivesse estado à (baixa) altura a que nos habituou. Foi a sua intransigência em negar-se a antecipar as legislativas para que Passos Coelho tivesse tempo de concluir as negociatas previstas com as privatizações remanescentes e, sobretudo, construir a máquina de propaganda destinada a discutir ao PS os resultados das legislativas que prestou um tão lamentável serviço ao país. Por isso as palavras de Ferro Rodrigues na sua despedida da função presidencial podem-se entender como impostas pela elegância das circunstâncias, mas não propriamente com o que lhe ia verdadeiramente na alma.
Provavelmente essa antecipação das legislativas para o início do verão de 2015 teria possibilitado a mesma solução governativa, mas dar-lhe-ia mais tempo para evitar alguma pressa em elaborar este documento, que justificou muitas alterações aduzidas já depois da sua apresentação na generalidade. E, sobretudo, teria evitado ao governo de António Costa o muito trabalho para resolver os imbróglios do Banif e da TAP, cujas resoluções ficaram muito aquém do que seriam possíveis se tomadas com outra disponibilidade.
Mas, porque já de pouco adianta desenvolver argumentações com base no que não chegou a acontecer, só nos podemos congratular com o acontecimento histórico desta manhã: pela primeira vez toda a esquerda convergiu no documento fundamental para assegurar a governação do país e só podemos formular votos para que esta união de vontades perdure por muitos e bons anos em benefício da maioria dos portugueses.
Da sessão de hoje ficam ainda dois momentos decisivos: por um lado o discurso de Mário Centeno a criticar o PSD pelo seu alheamento de todo o processo orçamental dizendo que “quem se alheia agora não merece um novo tempo!”. E, depois, o comentário de Carlos César a respeito do que designou como “caranguejola da direita”, que constitui um bom antídoto para a estafada fórmula da “geringonça”. É que torna-se cada vez mais evidente que a segunda está bem oleada e funciona na perfeição, enquanto a primeira mosdtra crescentes sinais de gripar. E porque na política dividir para reinar é uma arte, que incumbe a quem está no poder, o presidente do PS não se eximiu de criticar o PSD a expensas do CDS, aproveitando a oportunidade criada por Assunção Cristas de querer vir a disputar eleitoralmente a liderança da direita, confiante na redução drástica do apoio dos votantes a quem parece à deriva num largo Oceano sem lobrigar a direção de terra.
A outra notícia do dia é a da integração de Lula no governo brasileiro. É claro que a direita tentará explorar a vertente que lhe interessa - a obtenção da imunidade para escapar à prisão! - mas tenho sólidas expetativas de iniciar-se agora a inflexão suscitada pela inoperância do governo de Dilma em suster os ataques conspirativos da Justiça mancomunada com alguma comunicação social.
A capacidade do antigo presidente em trazer novamente a política para a ordem do dia da governabilidade e a de convocar o apoio dos 22 milhões de brasileiros a quem as políticas do Partido dos Trabalhadores retirou da pobreza poderá ser a solução para enfrentar uma direita sem liderança, que só parece apostada em fazer a roda da História voltar para trás através dos militares, cuja imagem continua colada aos tempos tenebrosos de uma ditadura assassina.
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