quarta-feira, 30 de março de 2016

A volubilidade de alguns jornalistas armados em economistas

Para que os portugueses reagissem com a maior passividade possível ao «programa de ajustamento», que a troika impôs em 2011, houve que fabricar esse consentimento através da criação de uma narrativa apostada em fazer crer na impossibilidade de qualquer alternativa ao austericidio.
Economistas reputados do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, José Castro e Caldas e João Ramos de Almeida, investigaram os conteúdos subscritos por seis dos mais conhecidos jornalistas da imprensa económica nacional e encontraram provas sobejas do seu envolvimento no favorecimento dessa predisposição coletiva para aceitar o reverso dos «pecados despesistas».
O texto completo encontra-se na edição portuguesa do «Le Monde Diplomatique» deste mês e iremos aqui abordá-lo como aperitivo e, esperamos!, estímulo para o conhecer na plenitude.
Os autores justificam o seu trabalho numa constatação: “A crise iniciada em 2008 pode ser entendida como uma crise de hegemonia. No processo, foram construídas e reconstruídas narrativas. Muita dessa actividade teve como palco a comunicação social, em particular o jornalismo económico”.
Escolheram assim as crónicas e editoriais publicados enre 2010 e 2014 por Pedro Santos Guerreiro, Helena Garrido, Camilo Lourenço, António Costa, João Vieira Pereira e Nicolau Santos.
Uma das primeiras conclusões do estudo foi a manifesta volatilidade nas opiniões desses jornalistas ao longo do período em análise.
Vamos aos exemplos relacionados com Pedro Santos Guerreiro que, em abril de 2010 era um entusiasta da intervenção do FMI em Portugal: “Falhámos em tomar conta de nós mesmos, agora outros poderão tomar-nos a soberania económica. Talvez seja disso que precisamos»”.
Seis meses depois já se lhe detetava alguma ambiguidade: “chamar o FMI é uma rendição. Mas é, também, perdição. Porque os credores nunca estão interessados em salvar quem lhes deve dinheiro, mas em recuperar a dívida”.
Em março de 2013 a lucidez já se apossara das suas opiniões: “Nós pensávamos que tínhamos as respostas todas. A crise desempregaria, a austeridade tributaria, as reformas incomodariam, mas no meio haveria um meio e no fim haveria um fim. Só que no fim do princípio não estava o princípio do fim e, a meio, já ninguém se entendia... É quase patético ver como os ortodoxos da austeridade dizem agora o contrário”.
Passando agora para Helena Garrido, que a Cofina acaba de despedir da direção do «Jornal de Negócios», o seu entusiasmo com a solução imposta pela troika não dava margem para dúvidas em abril de 2010: “O melhor que poderia acontecer a Portugal era um plano à FMI imposto pela União. Em vez desta morte lenta, teríamos uma violenta, boa e rápida recessão. Para voltarmos de novo a crescer com saúde.”

Ainda assim a ambiguidade quanto à bondade dessa solução surge-lhe bastante mais tarde do que a   Pedro Santos Guerreiro, pois só em 2013 é que a vemos assinar a seguinte conclusão: “Insistir na velocidade acelerada de redução do défice público, que a troika está a exigir, é uma sentença de colapso que acontecerá ainda este ano. Colapso social, político, económico e, de novo, financeiro. Nesta ordem.”
Se se conhecem anedotas e aforismos sobre a incapacidade dos economistas em preverem os efeitos futuros das políticas do presente, também se conclui facilmente que a mudança de opinião é algo com que não se sentem constrangidos.
Convenhamos que seguem uma regra conhecida de Keynes ("When the facts change, I change my mind”), mas era escusado exagerarem.

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