Segundo Serge Halimi, diretor do jornal «Le Monde Diplomatique», vivemos “o tempo das cóleras”. E é esse o título do seu artigo, que tem honras de capa na versão portuguesa dessa publicação imprescindível para percebermos o mundo dos nossos dias.
À partida tem-se o esgotamento do ciclo ideológico da «terceira via» e o nascimento de uma corrente contestatária da esquerda descomplexada apostada em designar como inimigo o sistema financeiro, que se apropriou dos meios de produção, com as (para eles) oportunas “privatizações” e da comunicação social.
Escreve Halimi: “numa época em que a direita extrema muitas vezes ocupa o papel de depositária de todas as cóleras, este raio de esperança pode bem disputar-lhe as estações que se seguem.”
Jeremy Corbyn e Bernie Sanders são os rostos emblemáticos de um combate político reacendido, e que conta com algumas demonstrações eloquentes do falhanço do modelo governativo assente na diminuição de impostos e das contribuições sociais assumidas pelo patronato e na precarização do emprego.
Dois economistas do FMI publicaram recentemente um estudo segundo o qual o enfraquecimento dos sindicatos e o desmantelamento do código do trabalho - a tal “flexibilização”, que é receita garantida em todas as propostas entroikadas! - só aumentou as desigualdades de rendimentos entre os cidadãos. Ora, um outro estudo, da autoria da OCDE, garantiu que o enriquecimento dos mais ricos “comprometeu o crescimento económico a longo prazo ao passo que uma melhoria dos rendimentos dos mais pobres o teria, pelo contrário, acelerado.”
Na mesma linha de diagnósticos insuspeitos sobre a falência das receitas austeritárias, o «The Economist» admitiu “que as previsões segundo as quais a redução dos impostos geraria crescimento suficiente para ele ser autofinanciado parecem hoje um pouco irresponsáveis.”
Acresce, enfim, o facto de já ninguém acreditar nas falácias dos que defendiam os méritos da globalização, que compensaria a perda de empregos numas atividades com um número ainda maior de novas oportunidades noutras.
Quando os partidos da Terceira Via conhecem sucessivos desaires eleitorais, cresce na sociedade a certeza da impossibilidade em reformar o atual sistema económico, incapaz de diminuir as desigualdades e de nada aprender com as sucessivas crises por que vai passando.
Daí a necessidade de uma esquerda reencontrada com a sua matriz, disposta a voltar para as ruas e defender as mudanças de um Tempo Novo mais esperançoso. E é com essa sugestão em forma de pergunta, que Halimi termina o seu texto: “não serão os pontos de viragem histórica justamente esses momentos em que é preciso agir em vez de suportar, agitar em vez de esperar?”
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