Durante muitos anos o Centro Cultural de Belém foi a sala de espetáculos de Lisboa, que mais frequentei, muito embora reconhecesse à Gulbenkian melhores condições acústicas e à Culturgest maior vanguardismo nas suas propostas.
Depois chegou Francisco José Viegas a secretário de Estado da Cultura e, apesar de se ter comprometido com Mega Ferreira a reconduzi-lo à frente da instituição, não teve unhas para resistir às ordens de Miguel Relvas, que aí impôs a indigitação de Vasco Graça Moura. Ora, apesar de haver quem o reconheça como poeta estimável e tradutor de mérito, esse defunto sempre suscitou em mim uma persistente antipatia. A exemplo do que faço hoje com gente do tipo Filomena Mónica ou Henrique Raposo, os seus artigos de jornal eram os que me levavam menos tempo a ler, porque nem sequer arriscava uma breve atenção na diagonal.
Na época decidi só regressar ao CCB quando aí voltasse a mandar quem para tal fosse nomeado por um governo socialista. Daí que tenha agora regressado aos concertos e muitos espere aí assistir nos próximos anos. Mas, quando de tal informei alguns amigos, houve quem torcesse o nariz e redarguisse com a forma supostamente deseducada como João Soares correra com António Lamas quase a pontapé. Como se o sucessor do esquecido Vasco merecesse melhor tratamento.
Ora, muito oportunamente, o arqueólogo Luís Raposo, que também fora corrido do Museu de Arqueologia pelo governo de Passos Coelho com a mesma falta de mesuras, apareceu na edição de ontem do «Público» a recordar o que já denunciara anteriormente, quando se anunciara o projeto “cultural” da direita para o eixo Belém-Ajuda de que o CCB faria parte.
Que Raposo não parece muito entusiasmado com João Soares, di-lo expressamente no texto, mas temos de com ele concordar por inteiro, quando considera que “os monumentos e museus (…) constituem antes de tudo reservas de soberania que devem ser colocadas ao serviço da emancipação cidadã.”
Uma das obrigações, que incumbe ao Estado é conservar o melhor possível o património à sua guarda e dá-lo a conhecer o mais latamente possível aos cidadãos, nomeadamente com a imposição de alguns dias por mês em que as entradas sejam gratuitas.
O que o agora despedido António Lamas pretendia era a marginalização ostensiva da maioria dos portugueses de tais museus e monumentos, atribuindo-os mais tarde ou mais cedo à gestão privada que, por concessão subsidiada pelo dinheiro dos contribuintes, pudesse auferir lucros significativos com a exploração do mercado turístico.
Tratar-se-ia da transposição do modelo das parcerias público-privadas para a área cultural e que se traduziria numa claríssima violação do contrato social.
Como não é nada ingénuo, Luís Raposo esclarece-nos sobre o que estava subjacente ao projeto de António Lamas: “percebiam-se já nele as fontes de receita que um dia poderiam dispensar parte do investimento público e seriam garantidas pelo arrendamento a privados de espaços nobres expectantes, como os que se destinam aos módulos por construir no CCB (e daí o alvoroço de alguns empresários da hotelaria, que já estavam convencidos das novas oportunidades de negócio)”.
Muito embora não esteja propriamente satisfeito com a designação de João Soares para ministro da Cultura fico, pelo menos descansado quanto à possibilidade de ver extinta a pérfida estratégia de privatização de algumas das principais instituições por ele tuteladas. E não sobram muitas dúvidas quanto aos motivos porque António Lamas queria manter-se à frente do CCB mesmo sem autorização para levar por diante o seu plano: é que, por portas e travessas, poderia mantê-lo em banho maria à espera do regresso de D. Sebastião, corrijo, Passos Coelho...
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