Na última vez que estive em Luanda, Savimbi andava acossado junto à fronteira com a Namíbia e o regime do MPLA sentia-se consolidado em função das receitas fartas já possibilitadas pelas exportações de petróleo.
Eu que, em 1974, sentira a empatia de serem aqueles que, pelo ideário marxista, maior justificação tinham para liderar o processo político angolano, via agora os antigos militantes esquerdistas armados em aprendizes de capitalistas, colhendo dos modelos todos os defeitos e esquecendo as possíveis virtudes.
Por isso mesmo nunca mais esqueci o quanto era obsceno o contraste entre o luxo do restaurante do Clube dos Empresários no último andar da torre mais alta da baía de Luanda - onde me levaram a jantar! - e as luzes das fogueiras dos que, à noite, sem teto sob que pernoitarem, preparavam frágeis abrigos no areal da Ilha.
Nessa viagem elucidativa quanto à perversão do regime, que dos valores de solidariedade e igualdade dos tempos da independência, se tornara num abjeto exemplo de plutocracia, também vi gente esfomeada a lutar pelos bidões desembarcados do navio «Fernando Pessoa», com o que restara da limpeza dos porões e onde estavam restos de cereais. Para conter a turba vi militares dispersa-la com tiros de aviso para o ar.
Dezassete anos depois não pretendo aqui resgatar do opróbrio a memória do líder da Unita que, a ter chegado ao poder, não se teria revelado muito diferente do grotesco Idi Amin Dada, cuja ditadura no Uganda nos anos 70 teve contornos sinistros. Mas conclui-se facilmente que o MPLA perverteu-se muito rapidamente com a passagem da guerrilha para o exercício do poder e nada sobra do que justificou em tempos a admiração de tantos democratas.
Agora que a queda dos preços do petróleo está a confrontar a elite luandense com a impossibilidade de manter o ritmo de enriquecimento a que se habituou, tanto mais que a população vê agravadas as difíceis condições de sobrevivência em que vive, haverá quem sinta aproximar-se a parede para onde tende a enfaixar-se o acelerado veículo em que ela se enfiou. A incapacidade para avançar com um projeto de futuro, que implicasse um crescimento económico autónomo em relação às receitas do petróleo, e a contínua intenção de aperrear a sociedade civil não domesticada dentro das peias do partido do poder, leva a atitudes desesperadas como a condenação dos dezassete ativistas ontem sentenciados com pesadas penas de prisão.
E o desespero conduz a atos estúpidos, como o afirma José Eduardo Agualusa, ouvido pelo «Público»: “Uma coisa que aprendi ao longo dos anos foi a de nunca subestimar a estupidez do regime. Este foi um gesto, do ponto de vista político, absolutamente estúpido. Desde o fim da guerra que Angola não passava por uma crise (económica) tão grave. Esta condenação vai ter uma consequência imediata, que é fazer regressar o movimento de solidariedade para com os presos e a contestação contra o regime.”
Os principais responsáveis desta repressão já contam com experiência bastante para saberem que o futuro está com Domingos da Cruz, Luaty Beirão e seus companheiros. E que o destino dos que são agentes de repressão deste jaez acaba, normalmente, por ser muito complicado.
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