quarta-feira, 9 de março de 2016

Regresso à sabática (1ª parte)

Agora que o governo já passou a barreira dos cem dias, e novo inquilino passa a ocupar o palácio de Belém, é altura de justificar a opção de dar por interrompido o longo ciclo da militância ativa, que me ocupou os últimos dois anos e permitiu reviver os tempos de 1986, quando entrei no Partido Socialista e vivi a ânsia de contribuir para um país mais em conformidade com os meus sonhos.
Em três textos irei falar mais de mim do que o costume, mas justificando-o com a explanação de uma perspetiva pessoal sobre os desafios, que se colocam atualmente aos partidos socialistas e a forma de os vencer.
Este primeiro texto levar-me-á da adesão ao Partido Socialista há trinta anos até ao momento em que António Costa se declarou disponível para substituir António José Seguro na liderança do PS.
O segundo texto versará sobre as experiências colhidas nas lutas das primárias e da candidatura de Sampaio da Nóvoa, e como esta constituiu a pedra-de-toque que permitiu perceber quem quer um PS igual a si mesmo - dominado pela lógica do aparelho e dos caciques locais - e quem aspira vê-lo singrar na direção do Tempo Novo de que fala António Costa.
Finalmente, no terceiro texto descreverei o plano apresentado na minha área de residência como passível de avançar para objetivos ambiciosos e práticas inovadoras de trabalho político, e se viu abortado à nascença. Daí a decisão de meter uma sabática e estabelecer colaborações com outros camaradas desalinhados a nível nacional, mas insatisfeitos com a forma como alguns jogam na estratégia do príncipe de Lampedusa em que, mudando alguma coisa, pretende-se que, na prática, tudo fique na mesma.
Os meus primeiros anos de militância socialista foram de grande empenho com participação em secretariados de secções, em gabinetes de estudo no Largo do Rato e em campanhas de rua para favorecer votações diferentes da que tinha acabado de dar a primeira maioria a Cavaco Silva.
Mas os argumentos profissionais sobrepuseram-se e como obrigaram a longas viagens pelos oceanos, foram-me distanciando desse mundo da política ao nível local, por muito que sempre mantivesse as quotas em dia.
Mesmo quando, perdidas as graças do mar, andei anos a dirigir uma empresa, a sobreocupação nas vinte e quatro horas do dia, afastou quaisquer veleidades de retomar a participação cívica. Ademais, durante uma boa parte desses anos, ocupados na gestão e no ensino universitário, vi o país encaminhar-se um pouco mais na direção certa com o primeiro mandato do governo de José Sócrates. Nessa época até os meus colegas, igualmente diretores do mesmo grupo económico, tinham de reconhecer a bondade de muitos dos projetos então concretizados.
A passagem à reforma coincidiu com o fim do segundo governo de José Sócrates, quando a conjugação da crise aberta pela falência da Lehman Brothers e uma óbvia conspiração de interesses viu chegado o momento certo para aplicar a sua agenda ideológica.
Recatado - mesmo que não tardando a sentir a fúria dos cortes austeritários - julguei-me fadado para usufruir a disponibilidade ambicionada para os projetos de escrita e das leituras sempre adiadas até então.
Mas senti o primeiro impulso para regressar à militância ativa, quando se tratou de escolher entre António José Seguro e Francisco Assis para a liderança do Partido.
Do primeiro a minha opinião sempre fora a pior possível: a forma como se posicionara nas últimas filas da Assembleia da República de lá sobressaindo sempre que sentia a oportunidade para complicar a vida a José Sócrates, tinham-me confirmado a falta de qualidades exigível num verdadeiro líder, a começar pela lealdade para com os seus camaradas. Ademais, não lhe conheci nenhuma ideia original e consistente para responder à crise identitária já então percetível nos partidos socialistas e sociais-democratas europeus...
Pelo contrário encontrei, então, em Francisco Assis a alternativa possível, tanto mais que, enquanto líder parlamentar sempre defendera com denodo as linhas programáticas do governo socialista. Não o conhecia o suficiente para nele imaginar o entusiasta de uma viragem à direita, que os anos seguintes têm demonstrado passíveis de levar os socialistas aos pífios resultados eleitorais um pouco por todo o lado, desde a Grécia do Pasok à Eslováquia ainda este domingo.
Foi António Costa quem veio finalmente fazer-me sair das tamanquinhas e voltar ao trabalho político ativo: a alternativa à apagada e vil tristeza para onde António José Seguro conduzia o Partido justificou o empenho em fazer das Primárias o grande momento de viragem, não só interna, mas da própria política nacional. Porque foi possível encontrar, então, centenas de desconhecidos sem qualquer ligação formal ao Partido, mas dispostos a inserirem-se na dinâmica da sua transformação.
Embora reconheça a Seguro o mérito de ter proposto essa via de consagração do novo líder do PS - mas tenho a certeza dele não ter previsto o tiro no pé que assim dava! - esse processo inaugurou algo de novo na política portuguesa: a atração à política de quem relativamente a ela andava numa atitude de passividade, senão mesmo de indiferença.
Acredito que essa novidade constitui uma tendência que veio para ficar e se está a revelar nalgumas latitudes com a adesão a fenómenos novos como o Podemos em Espanha ou Sanders nos EUA, que desmentem os prognósticos de um absentismo progressivamente crescente e de um individualismo capaz de se sobrepor a todas as formas de solidariedade.
Os Partidos da Internacional Socialista não podem menosprezar este fenómeno: ou mantém a lógica de enclausuramento em si mesmos, ou abrem-se para a sociedade e concluem ser altura de adotar novas metodologias, que só podem traduzir-se em mais e melhor democracia interna.
No caso português a competência dos ministros do atual governo até pode iludir quanto à urgência em promover essa transformação da organização estatutária do Partido Socialista - ficariam confortados os que o querem ver como um partido de eleitores e não de militantes e simpatizantes. Mas a oportunidade de se contar com um líder de exceção não dispensa o facto de a organização política, que o apoia, o merecer e fortalecer-se no sentido de garantir-lhe um sólido apoio.
Definida a necessidade de uma abertura efetiva do Partido Socialista ao exterior, saindo do pequeno reduto das suas exíguas secções - sobretudo quando elas têm tantas dificuldades para se manterem abertas! - tratarei de abordar noutro texto a razão porque teria sido importante que a candidatura de Sampaio da Nóvoa merecesse um envolvimento significativo dos que agora se esforçam por devolver o trabalho político ao tal rame-rame, que os acontecimentos recentes demonstraram ser possível superar.

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