sábado, 20 de julho de 2013

LIVRO: «Trilogia Suja de Havana» de Pedro Juan Gutierrez (3)

Um ébrio libertino é como poderíamos apressadamente classificar o Pedro Juan desta Trilogia se nos limitássemos a passar os olhos pelos seus diversos contos, sem neles nos determos mais demoradamente.
À primeira vista temos um desempregado de meia-idade ás avessas com o regime de Havana e fornicando e bebendo tanto quanto pode, sem olhar para os excessos em que incorre. E, no entanto, depressa nos enganamos com a possibilidade de resultar algum prazer dessa predisposição para o hedonismo: A vida pode ser uma festa ou um velório. A pessoa é que decide. Por isso a angústia é uma merda na minha vida. E tento afastá-la.  É o que passo a vida a fazer: a afastar a angústia, a tristeza e isso tudo. (pág. 102)
Já não basta ao narrador a sensação de viver acossado por múltiplas ameaças no meio de um cenário de catástrofe social, e é altura da penosa solidão vir juntar-se a outra consequência colateral do seu modo de vida tão desestruturado: aos quarenta e cinco anos a libido começa a reduzir-se. Tenho menos sémen. Já só me venho uma vez por dia. Entrei na andropausa: menos desejo, menos sémen, glândulas mais lentas. (pág. 133)
A meio da última década do século XX, Pedro Juan é atirado para o balanço de tudo quanto até então vivera: Às vezes releio papéis de há anos e sinto que esse tempo repercutiu em mim: fiquei mais só. Todos nós vamos ficando a pouco e pouco mais sós. Pelo caminho, ficam as mulheres que amei. Os sítios onde fui feliz. Os filhos que se vão afastando. Os amigos. Tudo o que se tem e se perde. E que quis conservar, mas que mesmo assim atirei pela borda fora. E dou por mim a escrever como se já tivesse chegado ao fim. E Deus não me ajuda a clarificar totalmente o meu espírito e a aceitar todas as coisas como elas são. (pág. 100)
Uma das reações incontornáveis desse permanente incómodo com o seu estado interior e exterior, é o cinismo. Sobretudo, quando as mensagens ideológicas emitidas pelo regime entram em contradição com a realidade palpável, que ele tem do terraço do prédio onde vive: a sensação de estar perante uma cidade bombardeada, com prédios reduzidos a escombros.
 A crise era violenta e penetrava no mais pequeno escaninho da alma de cada um. A fome e a miséria é como um iceberg: a parte maior não se vê á vista desarmada. Mas é preciso ir com calma, companheiro, sem perder o controlo. A pouco e pouco iremos integrar-nos neste mundo complexo e na economia de mercado mas sem abandonar os princípios, etc. Os tomates! (pág. 118)
Mas outra das atitudes possíveis consistirá em abandonar-se á pusilanimidade: Sem nada que fazer. Acho que se chama a isso sobreviver. Uma pessoa deixa-se ir e não espera mais nada. Tão fácil como isso. (pág. 130) Mesmo que a causa primeira desse comportamento tenha a ver com os perigos de permanecer na capital: É muito bom estar sozinho neste campo verde e azul. Sem nada em que pensar. Sem medo de nada. À espera de coisa nenhuma. Só terra e céu e verde. É bonito. Além disso, se me apanham em Havana, dão-me cabo dos cornos! (pág. 125)
O que não é estranho tendo em conta que, a exemplo de muitos outros cubanos, Pedro Juan procura a sobrevivência com expedientes quase sempre em conflito com a legalidade: Estivemos fechados durante trinta e cinco anos nas jaulas do Jardim Zoológico. Davam-nos alguma comidinha e alguns remédios, mas nem ideia de como era tudo o mais para lá das grades. E logo a seguir é preciso saltar para dentro da selva. Com o cérebro adormecido e os músculos frouxos e enfraquecidos. Só os melhores poderiam lutar pela vida na selva. Era o que eu estava a tentar. Fazendo força. Muita força! (pág. 139)


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