quarta-feira, 31 de julho de 2013

LIVRO: «Trilogia Suja de Havana» de Pedro Juan Gutierrez (5)

Na sua análise semanal na TVI24, o prof. Augusto Santos Silva disse esta noite que o regime comunista chinês cumpriu o sonho impossível de qualquer capitalista que se preze: salários baixos, proibição de greves, inexistência de sindicatos.
Tendo em conta o número de ex-maoístas, que foram parar aos partidos da direita ocidental, não admira encontrarem-se neles as mesmas ideias engendradas na mente de Deng Xiaoping a coberto da inevitável austeridade.
Mas nenhum dos falhanços dos regimes autoproclamados como comunistas teve paralelo com o de Cuba. Ali, apesar de uma sociedade tão arruinada quanto os seus prédios ou as suas «banheiras» saídas das fábricas de Detroit nos anos 50, ainda se encontram muitas pessoas a defenderem os méritos do regime e a justificarem os aspetos negativos com o alibi do conhecido bloqueio norte-americano.
Não é o caso de Pedro Juan Gutierrez, cuja dissidência o conota com o carácter cínico de um boémio niilista, por muito contraditório que soe essa mistura definidora.
No terceiro livro da «Trilogia» ele mantém a pusilanimidade anterior: qual Oblomov não lhe apetece mexer um músculo muito embora o force em contrário a necessidade de arranjar algum expediente para assegurar a sobrevivência: Não tenho nada que fazer. Mais: não tenho a mais leve ideia do que hei-de fazer hoje, amanhã, daqui a um mês, a um ano ou a um século. Talvez seja o melhor para não me angustiar nem me considerar perdido. Não sei o que vou fazer para sobreviver, mas não importa. Vivo como um cometa, arrastado pelo vento e sinto-me bem. Só que muitas vezes nem sequer o vento sopra. (Pág. 263)
Mas, à sua volta não parecem encontrar-se aqueles comunistas empenhados, que costumavam suportar sem sinal  de fraqueza os intermináveis discursos de Fidel. Se não são contestatários confessos das políticas dos seus dirigentes, os compatriotas descritos por Pedro Juan adotam um estilo de vida, que se ajusta ao célebre provérbio: «Cada um por si e deus contra todos!
Aqui toda a gente espera. Um dia de cada vez. Ninguém sabe do que está à espera. Os dias passam. E o cérebro fica embotado. O que é um bem. Ter o cérebro embotado é bom para não pensar. Às vezes penso de mais e entro em desespero. (pág. 237).
É numa dessas alturas, que Pedro Juan aposta no mister de gigolo junto de velhas turistas, que se deslocam a Cuba para, a troco de alguns dólares, viverem a ilusão de um romance regado a muito álcool e com sexo intenso à mistura.
Durante umas semanas tudo corre bem e o dinheiro sobra para o rum, para a droga e para almoçar e jantar em condições.
Só que essa forma relativamente agradável de ganhar a vida tem como desiderato a condenação a um período de cárcere. Experiência assaz desagradável: No princípio foi terrível. Tive um ataque de claustrofobia e descontrolei-me. Quando me vi encarcerado a raiva dentro de mim aumentou e comecei a gritar e a deitar espuma pela boca. Esmurrei dois guardas que tentaram amarrar-me ali mesmo e me deram uma coça que me deixou inconsciente. Quando voltei a mim foi pior: tinham-me fechado numa jaula. (pág. 221)
Trata-se de um castigo violento para um misógino, que como tal se proclama ao longo dos três livros da trilogia. Para ele a mulher não passa de um objeto de prazer, e eventual propiciadora de dinheiro fácil (quando não tem escrúpulos em servir de proxeneta a uma amante de ocasião!) embora o envelhecimento vá dificultando-lhe a satisfação da libido: A falta de mulher põe-me neurótico. Mas uma mulher torpe e bruta permanentemente a meu lado é irritante e angustia-me. E todas querem o mesmo: começam por fornicar alegremente, bebem rum e riem de tudo o que uma pessoa diz, muito ternas. Depois desejam isso tudo mas além disso exigem que uma pessoa se esmifre todos os dias para arranjar dinheiro e comida para ela e para três ou quatro filhos, paridos de três ou quatro maridos, que passaram por cima delas e seguiram em frente. (pág. 283)


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